A atriz e apresentadora Flávia dos Prazeres, 36 anos, fala sobre representatividade na televisão. A atriz carioca, que atualmente reside em São Paulo, e é apresentadora da TV Cultura, fala sobre a importância da representatividade e da ocupação de espaços para uma sociedade com mais equidade, e o impacto desses exemplos em sua própria trajetória.
“Nunca sonhei em ser apresentadora. Sempre fui atriz desde os 10 anos de idade e a minha geração foi marcada por uma frente de apresentadoras loiras dos olhos azuis. Quando me perguntam em quem me inspirei pra ser atriz, digo que se deu pela representatividade de ver atrizes negras na televisão como Isabel Filardes, Adriana Lessa, Whoopi Goldberg, Naomi Campbell, entre outras“, pontua ela.
“A vinda pra São Paulo me trouxe boas surpresas, multiplicou as oportunidades como artista. Em um teste publicitário me vi experienciando novas linguagens e explorando dons de comunicadora. O que foi percebido e elogiado. Em São Paulo as coisas podem acontecer muito rápido“, conta a apresentadora, que continua:
“Mas ainda que coisas muito legais tenham acontecido pra mim é preciso lembrar que até conseguir uma oportunidade profissional mais relevante na carreira, demorei 20 anos para alcançar, em meio a muitas possibilidades de desistência e falta de estrutura para me desenvolver como artista“, declara a artista.
Flávia lembra algumas experiências desagradáveis que viveu na profissão, mas que ao encontrar equipes preparadas foi importante para ter cada vez mais segurança no seu ofício.
“Já vivi experiências muito traumáticas, de conseguir oportunidades e o meu cabelo ser a ‘grande questão’. Já vi equipes e mais equipes de direção de arte, saindo e entrando de salas de reunião com a direção, sem solução para entenderem o que fariam com o meu cabelo; enquanto era decidido o meu figurino”, conta Flávia, que garante que apesar do momento difícil, foi acolhida por outras pessoas.
“Nessa mesma experiência, tive o apoio de uma cabeleireira que rodou comigo o comércio em Brasília (local onde gravamos uma campanha publicitária) e ali me confortou, dizendo que compraria os melhores produtos de beleza pra cuidar de mim, que sabia que eu estava insegura em fazer um tipo de trabalho que não valorizava os meus traços e características de uma mulher negra que assumia o seu cabelo crespo“, disse.
A apresentadora e atriz conta que enfrentar pessoas racistas sempre fez parte da sua vida, e da rotina de pessoas negras no Brasil e no mundo, mas que encontrou formas de entender como lidar com isso. “Ler literatura preta, entender a história da resistência negra e orgulho negro, de tantas gerações e saber que tantos artistas que vieram antes de mim abriram caminhos, pra hoje artistas pretas estarem conquistando mais espaços, foram motivações necessárias para conseguir lidar com conflitos tão limitantes, que o racismo e a branquitude reforçam“, revela.
A artista multifacetada que além de apresentadora também é atriz, palestrante, mestre de cerimônias e modelo se orgulha da sua trajetória e seu ofício atual.
“Digo com muito orgulho, que estar no ar, na televisão todos os domingos, em rede nacional, apresentando um programa como o Café Filosófico por 5 anos, é uma conquista enorme. Saber que muitos jovens já se inspiram em ver uma mulher negra como eu nesta posição de troca de conhecimento, comunicando com intelectuais mais valorizados do Brasil e mundialmente, sempre me trouxe um sentimento de realização muito grande“.
Flávia conta que viver experiências complicadas por conta de profissionais que segundo ela “não sabiam lidar com a presença de pessoas negras nesses espaços”, a fez querer falar mais sobre isso, e alertar os jovens a ocuparem todos os tipos de espaço, como cargos de direção, de arte, de produção, da economia, na política.
“Com a afirmação de que no Brasil pessoas negras são a maioria, isso me motiva a transformação. Me motiva a ser parte dessa mudança, a querer dar voz a pessoas que podem e vão ocupar esses espaços de poder. Ser uma das únicas apresentadoras com contrato ativo na televisão me motiva a não querer ser a única“, conta.