Uma das primeiras mulheres negras a chegar nas maiores salas de roteiro do país, a diretora e roteirista Renata Di Carmo, afirma em entrevista exclusiva ao Notícia Preta, que quando começou, não via muitas pessoas como ela, para se espelhar. “Lutamos muito e a realidade hoje é bem diferente da que vivenciei em décadas anteriores, mas não é ideal. Comecei sem referências, apoio, mentores ou com quem pudesse trocar, não foi fácil. E ainda tinha o agravante de ser uma mulher escrevendo humor. Um corpo feminino negro“.
Além disso, a também atriz e escritora falou sobre suas experiências em diferentes linguagens e gêneros do audiovisual, e sobre sua história na área, e projetos futuros. Renata, que assina trabalhos que vão desde o humor até o drama, afirma que não gosta de se limitar. “Não gosto de me impor caixas, não acho inteligente para minha construção como artista“, diz ela.
A roteirista, recentemente, chefiou as equipes dos programas humorísticos ‘Humor Negro’, da ‘Globoplay’, e Toda Família Tem, que em breve estará disponível na Amazon. Além disso, ela também escreve para a série ‘Cidade de Deus’ e ‘Torto Arado’ (HBO), fez a redação final e integrou a equipe de roteiro de ‘Candelária’ (Netflix), e fez consultoria para a série ‘Últimas Férias’ (Disney).
Sobre sua escrita, ela afirma que coloca sua vivência como mulher negra sempre que pode, em seus trabalhos. “De todas as formas, analiso o que escrevo, como vai impactar, travo discussões necessárias em defesa de algumas ideias quando elas são pilares para mim, trago as vivências e referências que acumulei e sigo acumulando, proponho narrativas que possuam uma outra angulação que não as alicerçadas em uma visão de mundo eurocêntrica, branca, patriarcal, com bases racistas e excludentes“, diz ela, que continua:
“Pensar narrativas negras é uma constante, desde meu trabalho como pesquisadora da temática até minha escrita, seja para o audiovisual, em meus livros ou peças. Obviamente, quando você não tem o controle de um projeto, você não ganha todas as batalhas, mas trava a luta. Às vezes há bom senso, escuta e desejo de desconstrução genuína e originalidade“.
Nascida e criada em Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, Renata conta que essa vivência, assim como no caso de outras mulheres negras, nunca foi fácil. “O movimento de passar a conviver em sociedade, a interação com a escola e o mundo, para além da proteção da sua casa, não é nada saudável para uma menina negra, pelo contrário, é violento“, relembra.
Mas apesar disso, por ser uma criança muito interessada em leitura, escrita e pintura, a arte não demorou para entrar na sua vida, começando pelo teatro. “Quando eu tinha 10, 11 anos, assisti uma peça em um teatro local e logo em seguida tive uma disciplina na escola, Artes Cênicas. Me encantei pelos jogos teatrais propostos. Pedi à minha mãe para fazer teatro, ela foi atrás de descobrir um local onde eu pudesse fazer um curso, e nunca mais parei“.
Depois disso, a carreira de Renata começou. “Quando tinha 17 para 18 anos comecei a escrever para o audiovisual como freelancer e a cursar Artes Cênicas e Cinema na faculdade também. Na sequência, de 18 para 19 anos, fui contratada como autora-roteirista, escrevendo para TV, e depois veio minha primeira colaboração em roteiro para o cinema“.
De acordo com Renata, todas as sua formas de trabalho fazem parte de quem ela é. “Me expresso artisticamente através de tudo o que eu faço. Seja atuando, seja escrevendo, seja dirigindo. Sou atriz em primeiro lugar, acho que essa é minha maior virtude, me ajuda a escrever e a dirigir melhor, inclusive. O palco é a minha escola, meu chão, e sigo dizendo isso mesmo após as inúmeras formações que fiz,
desde graduações até o doutorado“.
Renata é doutoranda e mestra em Letras, especialista em Comunicação, graduada em Artes Cênicas, Cinema e Jornalismo. Desenvolve pesquisa em ‘Arte, Narrativas e Performances Negras’, premiada como pesquisadora pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
A atriz, roteirista, produtora e diretora afirma que gosta de “boas histórias” e que “um bom projeto é sempre motivador”, e que por isso não se limita e escreve e se envolve em diferentes gêneros.
“Escrevi diversos programas de humor, foi minha porta de entrada como autora- roteirista na TV, lá na década de 90, e sigo escrevendo humor. Acho que a escrita de humor te dá ritmo e te exercita em lugares que enriquecem a tua escrita de drama, por exemplo. Por outro lado, há pontos sensíveis em outras escritas que te lembram de refletir sobre a piada que você faz e a maneira que faz“.
Como escritora, foi premiada com o livro ‘Anele – A Menina dos olhos de Mundo‘, ‘Maria Firmina dos Reis: diálogos contemporâneos‘, ‘A mente ninguém pode escravizar‘. Para Renata, o mundo da literatura também é uma forma especial de expressão.
“Um lugar bastante especial, de possibilidades, de aberturas, de liberdade. Também é o lugar onde lido com temáticas das quais gosto muito, como memória e ancestralidade, por exemplo. Onde projeto futuros, tendo um tempo um pouco maior para a reflexão“, conta ela que pretende finalizar novas obras no futuro.
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