Vogue, negritude e o último baile da ilha Fiscal

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“Preto claro, preto escuro, preto falso, preto real… Preto rico, preto pobre, preto de casa, preto do campo… Continua preto, continua preto…” – Jay-Z

Há várias formas de se chegar a um destino. Variáveis como tempo, investimento e conforto ajudam a estabelecer a escolha do indivíduo ou do grupo. A opção aponta diretriz, mas também implica em renúncia: dizem os mais velhos que não se pode possuir tudo. O quê queremos ter?

A edição de 2019 do Baile de Carnaval da revista Vogue aconteceu, com pompa e circunstância, apenas na penúltima semana de março e reuniu, como de hábito, um punhado de celebridades – com destaque para a grande quantidade de artistas negros – pouco habitual em anos anteriores. Não por acaso: a festa foi adiada para depois da Folia de Momo devido ao caso de racismo envolvendo sua agora ex-diretora Donata Meirelles (por ironia, casada com o fundador de uma agência de publicidade chamada África – sim, infelizmente publicitário é uma merda).

O pequeno debate ocorrido sobre a necessidade da presença destes representantes pretos no evento, muito deles ativamente engajados no combate ao preconceito institucional, reacendeu a conversa sobre a importância da ocupação de espaços e, como consequência, a mudança do sistema a partir da participação integral no mesmo (“por dentro”).

Guardadas as devidas proporções, é um cenário que lembra o boicote à cerimônica do Oscar 2016 por diversos artistas negros devido a falta de representatividade nas indicações feitas pela Academia. De lá pra cá, houve alterações na composição dos votantes, provocando a partir da maior diversidade o reconhecimento com prêmios dos filmes “Moonlight” – melhor filme – e “Pantera Negra” – em categorias técnicas; dos diretores Spike Lee e Jordan Peele, ambos na categoria roteiro; de atores como Viola Davis, Regina King e Mahershala Ali; entre outros.

Como bem sabemos, o Poder absorve quaisquer rachaduras existentes em sua constituição para se manter de pé. Se o enfrentamento do racismo estrutural gera algum atrito para o livre exercício de seu lucro, transformemos em produto o ativismo e acalmemos a ânsia por mudanças. Quanto custa aquela camisa com a estampa do rosto de Che Guevara?

Voltando ao fio da meada, assim como o boicote de estrelas de Hollywood a maior celebração da sua indústria não foi por puro altruísmo, soa ingênua a proposta de que estar dentro da roda gigante ajudará na alteração de seu giro. Não, você seguirá sendo conduzido: preto rico continua sendo preto; preto sorridente continua sendo preto; preto poderoso continua sendo preto; preto na capa de revista continua sendo preto.   

Pensemos em outra situação: a candidatura de Conceição Evaristo a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL). Nome de consenso para simbolizar a força a intelectualidade do movimento negro e suas forças sociais, foi rechaçado por violentar as tradições da instituição devido a comoção social causada – os Imortais, quem diria, preferem a sombra ao sol. Certamente há conversas para indicar outro “escolhido” numa próxima ocasião, desta vez, certamente, se adequando aos salamaleques e ao dedo indicador de dentro pra fora para ter chance.

O questionamento aqui não se dirige especificamente aos indivíduos. Suas militâncias são fundamentais e o ideário que os guia, respeitabilíssimo. Apenas pergunto, caso o desejo seja romper com o racismo estrutural, qual o efeito de se preservar o esqueleto que o sustenta? Pensar para além do que já está dado é não se contentar com o velho mundo, mas (re)fundar nossos próprios lugares de reconhecimento e prazer. Não precisamos de permissão: somos inteiros.  

O velho empresário de comunicação dizia aos seus empregados: “Quer escrever sua própria opinião? Monte o seu próprio jornal!” Aquilombar-se é mais do que estar junto. É construir-mos, por nós e para os nossos. Que Eleguá ajude na caminhada.



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