Veja os representantes da população negra que vão desfilar no último carro da Tuiuti

É carnaval, mas poderia ser uma reunião de amigos, comprometidos com as questões raciais e sociais brasileiras. Já imaginou ver desfilando juntos na Sapucaí a escritora Conceição Evaristo, a médica e diretora executiva da Anistia Internacional, Jurema Werneck, a jornalista Flávia Oliveira e o babalorixá Adailton Moreira? É esse feito que a Paraíso do Tuiuti traz para a Avenida, na segunda-feira de carnaval, no carro  “Bode da Resistência”.

O animal é o protagonista do enredo “O salvador da pátria”, que narra a trajetória de Bode Ioiô. Ele foi eleito vereador em Fortaleza, no Ceará, em 1920. Apesar da eleição, cujo resultado desagradou a elite local, o Bode Ioiô nunca assumiu.

O último carro da escola vai trazer representantes de diferentes setores sociais que, de certa forma, não dialogam com a ótica da nova política brasileira. Na alegoria, estarão militantes negros, LGBTs, atores, enfim, diferentes profissionais da ala progressista da sociedade brasileira.

“Estar no último carro da Tuiuti, que simboliza a resistência, ao lado de outras pessoas que também simbolizam a resistência, é, mais do que nunca, incorporar as nossas lutas ou definir as nossas presenças incômodas como forma de marcar resistência. Esse bode incorpora a luta do povo, o incômodo, é o bode que vai estar num espaço que normalmente não é o espaço que pertence ao povo. É um bode que se intromete em todos os lugares, como nós nos intrometemos com nossos corpos, nem sempre bem aceitos, com nossa fala, com nosso estilo de vida, com nossa ironia, com nossa crítica”, analisa a escritora Conceição Evaristo.

Para o babalorixá e mestre em Educação Adailton Moreira, do Ilê Omi Ojú Arô (Casa das Águas dos Olhos de Oxóssi), a frase “Esse bode tem cabelo na venta”, cantada no refrão do samba da agremiação, significa trazer à tona as questões importantes para a sociedade:

“A Tuiuti esse ano é a minha escola também, escolhida pelo coração, por estar com essa mensagem na Avenida, de uma Avenida que briga e luta pelos seus direitos. O carnaval também tem essa proposta de provocar na sociedade uma reflexão sobre a vida, sobre os direitos. É o carnaval da alegria, mas é o carnaval de botar para cima as questões que são empurradas para baixo do tapete. Então, esse ano, de fato, tem cabelo na venta”.

A escritora Conceição Ecaristo com o carnavalesco Jack Vasconcelos, da Paraíso do Tuiuti

Filho de Mãe Beata de Iemanjá — escritora, militante de Direitos Humanos e fundadora do Ilê Omi Ojú Arô — Adailton destaca a importância de o enredo abordar a violação de direitos:

“Principalmente no que se refere a essa representação politica, que usa do povo brasileiro por uma ótica ainda muito colonial, do uso político-partidário. Esse samba-enredo fala dessa participação plural e diversa que deveria ser a sociedade brasileira. Para mim, esse ano é ano de estar junto com essa escola dando meu grito de liberdade, da cidadania, dos direitos humanos, da alegria, de abaixo o ódio, o racismo, a intolerância religiosa e o racismo religioso”.

No carro, estarão ainda o ator Silvero Pereira, o deputado federal pelo Rio de Janeiro David Miranda, a líder indígena Sônia Guajajara, o pastor Henrique Vieira, entre outros nomes.

Apesar da ousadia ser sua marca registrada, Jack Vasconcelos, carnavalesco da Tuiuti, conta que o enredo deste ano causou uma transformação nele mesmo:

“Esse enredo fez a pessoa Jack mais diferente. Mudou muito a minha personalidade. É um enredo forte, autêntico, igual a todas essas pessoas que vamos homenagear”.

A jornalista Flávia Oliveira, comentarista da Globonews, colunista do Jornal O Globo e da Rádio CBN Rio, também vai desfilar no “Bode da Resistência”. O convite foi feito a pedido do carnavalesco. A admiração é recíproca, garante Flávia:

“Sou fã de Jack há alguns anos, tenho admiração pelo trabalho dele, pela qualidade artística e pela ousadia. O desfile do ano passado foi muito forte, me comoveu profundamente, em especial a comissão de frente com os pretos velhos. Por isso, aceitei o convite para fazer uma visita ao barracão e conhecer o trabalho.”

A jornalista Flávia Oliveira com o carnavalesco da Tuiuti

A jornalista conta que não conhecia a história do Bode Ioiô, mas que achou muito fascinante, inclusive a forma como a escola vai encerrar o desfile.

“O enredo é uma sátira política e achei interessante terminar o desfile com esse reconhecimento aos ativistas, sobretudo aos ativistas negros, às mulheres negras, religiosos negros, como o babalorixá Adailton e o pastor Henrique Vieira. E o desafio do Jack é a gente se apresentar como somos. Não seremos fantasias, mas, ao mesmo tempo, iremos carnavalizar essa presença”, afirmou Flávia.

No último domingo, 24, foi o ensaio técnico na Sapucaí. A comentarista lembrou da animação dos integrantes e da confraternização entre os convidados para o último carro:

“Foi muito emocionante encontrar com algumas das nossas irmãs. Em particular, a Jurema Werneck, uma mulher que eu admiro e que tem um trabalho absolutamente revelante em prol da saúde das mulheres negras, e o encontro com Conceição Evaristo, que é uma referência para todas nós. É a nossa intelectual. Ver a Conceição sambando foi muito bonito, muito emocionante. Se permitir sambar, se distrair, tudo isso faz parte de uma militância, de um ativismo saudável. Acho que vai ser super bonito, estou lisonjeada. Não podia recusar a oportunidade de participar dessa critica social carnavalizada e de estar ao lado de mulheres tão inspiradoras”.

Jack Vasconcelos recebe Jurema Werneck, da Anistia Internacional, no barracão da escola
O ator Silvero Pereira também vai desfilar no último carro da agremiação
O deputado federal David Miranda com o carnavalesco Jack Vasconcelos

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