Um preto e um cachorro entram no supermercado…

2014.jpg

Pedro Henrique Gonzaga assassinado por segurança no supermercado Extra / 2014 nos EUA

Ei, fala pra mim: você já comparou sua vida com a de um cachorro? Sim, é isso mesmo: já parou pra se perguntar se a sua vida vale mais do que a de um cachorro, qualquer um? Não ri, não. A questão é essa. Já? Acredite, se você se espantou com este enunciado significa que não entende nada do mundo que te cerca – por ignorância ou escolha.

Quando se supõe a existência de uma consciência social coletiva, disparada por tragédias que façam desarmarem-se nossas cercas e nos olharmos como humanos – semelhantes na dor -, como Brumadinho (Vale), os 10 meninos do Ninho (Flamengo) e o cão morto no Carrefour, percebemos que o assassinato de Jenifer e o estrangulamento de Pedro são apenas sobras do café da manhã.

Acredite, o animal não foi incluído na lista como deboche, mas constatação. Enquanto aqui houve uma comoção nacional em torno de boicote contra o supermercado pela violência, no caso do asfixiamento no Extra e do crime em Triagem voltamos a ter que gritar aos quatro ventos que vidas negras importam; defender, mais uma vez, a existência dos corpos negros como indivíduos.

Pedro Henrique Gonzaga assassinado por segurança no supermercado Extra / 2014 nos EUA

O termômetro de nosso envolvimento com algo está nos Trending Topics e na massificação na mídia da indignação popular. No Rio de Janeiro, por exemplo, o caso da menina de 11 anos é no máximo dano colateral para uma sociedade que aplaude a execução de 15 pessoas pela Polícia, parte de uma política pública oficializada. É só mais um corpo, que mandou ainda ser pobre?

Sobre Pedro, são incluídos vários “poréns” para que se justififique a brutalidade. E a empresa sendo cúmplice. Porque ao preto não é dado o direito da presunção da inocência é negado; mais além: o preto é sempre suspeito. Ou ser seguido por seguranças em shopings e lojas é zêlo pelo consumidor? O negro não precisa de cuidado, precisa ser castrado.

Em dias em que convivemos com o racismo de Donata e seus colegas do show business – casada com Nizan Guanaes, ironicamente criador de uma agência de publicidade chamada África e envolvida em ataques preconceituosos e reclamações sobre condições de trabalho -, culminando com a pressão social para sua saída da Vogue e o cancelamento do baile da revista, não há descanso.

A viralização da tirinha do personagem Armandinho relatando a abordagem de um policial a dois meninos em suas bicicletas cobrando a nota fiscal das mesmas, gerando o questionamento do personagem-título, branco, sobre o porquê alguém carregaria o documento, enquanto prontamente o seu companheiro, negro, apresenta o registro à autoridade, dá o tamanho do nosso buraco.

É importante dar nomes e responsabilidades. A segregação está no nosso dia a dia. Se a violência aumenta contra nós, também é verdade que nos fortalecemos. Olhar um retrato de 2014 dos EUA e vê-lo reproduzido em 2019 no Brasil aumenta o tamanho da fúria. Sejamos inteiros para sermos pelos nossos irmãos.     

Eric Garner, Pedro Gonzaga, Jenifer Gomes. Sabe o quanto é doloroso ter que ver parentes justificando a “boa conduta” dos seus entes mortos antes de terem o direito de ver o status quo lhes dar o direito de chorar por eles? Não é apenas sobre ser preto: é sobre enfrentar os racistas.

Deixe uma resposta

scroll to top