Termo “racismo antibranco” é debatido na França

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Campanha SOS Racismo na França: “Meus amigos e eu #somosiguais”

Em um país onde 85 % de seus habitantes estima que o racismo é muito difundido, o termo ‘racismo antibranco’, que no Brasil chamamos de ‘racismo reverso’, ressurge e divide opiniões de ativistas. Uma pesquisa realizada pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos revelou que 53% dos entrevistados se declararam ‘não racistas’, mas 47% pensam ser ‘mais ou menos’ racista.

A França tem de um lado a ONG SOS Racismo, criada em 1984, que se descreve como “comprometida com a luta contra o racismo, o antissemitismo e a discriminação”, que não reconhece o termo. Do outro lado, a associação Organização de Luta contra o Racismo Antibranco (OLRA), fundada há dois anos, que defende o termo “por uma melhor luta contra o racismo como um todo”.

A França, no período das grandes navegações, que começou no final século XV, assim como outros países da Europa, roubou riquezas e invadiu países de todos os outros continentes. Com a descolonização, o fenômeno se inverteu. Massas de ex-colonizados foram viver nas metrópoles.

As guerras de descolonização, principalmente a Guerra da Argélia (1954-1962), ainda deixa marcas na sociedade francesa atual. A tendência de taxar de inimigo o “imigrante”, tem origem na extrema direita, que, nos anos 1980, começou a utilizar o termo “racismo antibranco”, para explicar que eles, os “verdadeiros franceses”, não se sentiam mais em casa no próprio país (“chez nous”, ou “na nossa casa”, é um slogan da extrema direita francesa).

Mesmo reconhecendo que pode haver preconceito contra brancos, o cientista político e economista Dominique Sopo, presidente da associação SOS Racismo na França, rejeita o termo ‘racismo antibranco’:

“A expressão ‘racismo antibranco’, nos remete às velhas expressões como ‘racismo antifrancês’ ou ‘racismo anticristão’, que são expressões que foram colocadas no debate público no final dos anos 1980 pela extrema direita francesa, quando havia muitos casos de racismo contra árabes, para inverter a realidade e dizer que o verdadeiro racismo neste país seria aquele a que os brancos seriam submetidos pelos árabes que viriam agredi-los”, disse Sopo em entrevista à rádio francesa RFI.

“É preciso ver que este tema remete a teorias como a da ‘Grande Substituição’ e outras que dizem que ‘agora a gente não está mais em casa no nosso próprio país porque, na verdade, tem uma horda de bárbaros, uma horda de selvagens, que vieram de fora e nos impuseram a sua lei’. É uma tática grosseira da extrema direita”, continua.

“O fato de haver negros e árabes que possam ser racistas em relação aos brancos, é evidente que isso existe, mas é preciso ver que há uma manipulação conceitual da parte da extrema direita e que a SOS Racismo, que luta contra o racismo neste país há décadas e milita para vivermos juntos, será um obstáculo a estas tentativas, que são marcadas por bastante perversidade”, alerta.

Sopo foi acusado por Laurent de Béchade, empresário e presidente da OLRA, de serem ele e a SOS Racismo os “causadores da ascensão da extrema direita” na França, ao “negarem o ‘racismo antibranco’”.

“A SOS Racismo resume [o “racismo antibranco”] a um problema de extrema direita. Este discurso é grave, porque existem vítimas brancas que não são necessariamente pessoas da extrema direita. O discurso da SOS Racismo deve ser atualizado”, diz Béchade à RFI.

O presidente da OLRA, associação que se apresenta como universalista, laica e apolítica, continua: “Eu acho que Dominique Sopo e a SOS Racismo contribuem fortemente para o aumento da extrema direita na França, porque esse discurso que eles sustentam divide as pessoas. Seu discurso é muito condenável. Ele é culpado não apenas pelo desenvolvimento do ‘racismo antibranco’ como tal, mas também pela ascensão da extrema direita. São fenômenos correlatos”, acusa Béchade.

Sopo, entrevistado em seguida pela RFI, responde à crítica: “Pra começar, o presidente desta associação que pretende lutar contra o ‘racismo antibranco’ é uma pessoa que ela mesma é adulada por pessoas da extrema direita. A gente está diante de um discurso clássico, de extrema direita, que consiste em dizer que são as pessoas que lutam contra o racismo que produzem o racismo”.

Béchade continua: “Há 30 anos, eu entendo que a SOS Racismo poderia manter esse tipo de discurso. Hoje em dia, achamos muito criminoso ouvir líderes de uma associação tão grande e histórica na França, que continuam a negar uma realidade e a desculpar esse fenômeno. O racismo anti-branco não é menos grave nem menos sentido”, defende.

O presidente da OLRA, no entanto, admite que o termo “racismo antibranco” é aproveitado pela extrema direita: “Há muitas pessoas falando globalmente sobre isso no prisma político, da direita à esquerda, mas em geral, ele é explorado pela extrema direita e também pela extrema esquerda, que, pelo contrário, explicará que não existe”, diz.

“Partidos de extrema direita e extrema esquerda exploram o tema racismo. A nossa associação foi criada para lidar com o problema sem apropriação partidária”, conclui Béchade.

A pesquisa da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, citada no início da matéria, mostra que 51% das pessoas que votam no partido Front Nationale, de extrema direita, são as que acreditam existir o ‘racismo antibranco’, que nós chamamos de ‘racismo reverso’.

Fonte: RFI

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