Em entrevista ao NP, empreendedor Nathan Santos conta a experiência de um homem preto e trans no Brasil: “é não saber se estarei vivo amanhã”

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Nesta segunda-feira (28) comemora-se o Dia do Orgulho LGBTQIA+, data em homenagem a um dos episódios mais marcantes na luta da comunidade gay: a Rebelião de Stonewall Inn. A rebelião foi uma série de manifestações de membros da comunidade LGBT contra uma invasão da polícia da cidade de Nova York à um bar chamado Stonewall Inn, muito popular entre a comunidade, em 28 de junho de 1969. Na ocasião, os policiais resolveram invadir o bar e prender vários frequentadores, principalmente travestis e drag queens.

Nathan Santos, empreendedor e fundador da King of Durags, empresa que vende a bandana durags de origem afroamericana para todo o Brasil, conta ao Notícia Preta como é ser um homem transsexual preto no Brasil. “Ser um homem trans preto, fora do padrão, e periférico no Brasil é não saber se amanhã estarei vivo. É sofrer diversas violências em um dia só, transfobia e o racismo lado a lado massacrando nossos corpos. É ter medo de utilizar um banheiro público e sofrer alguma transfobia, é andar na rua a noite e ter medo de levar ‘dura’ e não voltar para casa, mas ao mesmo tempo ser lido sempre como raivoso e agressivo, é ser fetichizado e hiperssexualizado”, conta.

Nathan Santos diz que corre riscos diariamente – Foto: Arquivo Pessoal

Nathan diz que o processo de se entender como um homem transsexual foi extremamente difícil. “De onde venho, não existe uma discussão sobre gênero e sexualidade, não havia referências próximas e corpos similares ao meu – periférico e preto – sempre me enquadravam como uma lésbica e eu aceitava porquê era cômodo e não sabia explicar que aquilo não me cabia mas também não sabia da existência da transgeneridade”. Ele conta ainda que, quando criança, se via como um homem adulto no futuro, mas que não entendia como isso poderia ser. “Cada dia era mais sufocante ser tratado no feminino, as disforias foram só aumentando”, relata.

Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, a cada 26h morre um LGBT no Brasil. Nessa estatística, a população negra é a mais afetada, sendo 78% das mulheres trans no Brasil e travestis assassinadas no ano de 2020, de acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA).

Dados da Associação Nacional dos Travestis – Foto: Reprodução / Site

A psicóloga Brenda Machado, graduada em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), pós graduada em Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), também pela PUCPR, explica como a psicologia vê questões LGBTQI+. “Eu acredito que a psicologia, assim como as demais profissões, está caminhando a passos lentos, claro que já tivemos conquistas, mas acredito que a teoria ainda é muito limitada. A psicologia tem abordagens muito europeias, a heteronormatividade tem muita influência na psicologia, então, acredito que tem questões ainda que alguns psicólogos vão se deparar em relação a homossexualidade que eles não vão saber resolver porquê não tem teoria e muitos escritos sobre isso”, disse Brenda.

“Acho que ser mulher preta e lésbica no Brasil é remar constantemente contra corrente, é ter que lidar com muitas questões, tanto internas, quanto externas. Viver já é um ato de resistência”, diz Brenda.

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Brenda conta que as maiores queixas que chegam ao seu consultório normalmente tem haver com aceitação externa, autoaceitação e autoestima. “Cada pessoa precisa de um auxilio diferente; procuro entender qual é o ponto de dor ou dificuldade e trabalhamos em cima disso para que juntos achemos uma maneira mais funcional para lidar com as questões”, explica.

Brenda expõe que se entender como uma mulher lésbica foi algo tranquilo, mesmo que em alguns momentos ela tentasse lutar contra isso, e que sempre teve acolhimento de seus familiares. “Desde o primeiro instante eles me aceitaram da maneira com como eu sou. Teve momentos em que se preocuparam com o que eu sofreria lá fora, mas sempre me acolheram em qualquer dor que eu tivesse. Agora lido de uma maneira mais saudável com algumas questões chatas que acontecem no dia a dia, pois fui me fortalecendo individualmente’, diz.

Brenda diz que as queixas são recorrentes de aceitação e autoestima – Foto: Arquivo Pessoal

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“A legislação brasileira tem muito que avançar, principalmente para pessoas trans. O acesso ao sistema público de saúde, por exemplo, tem uma entrelinha que veta pessoas transsexuais a passar no ginecologista ou urologista. Temos também um recorte de adolescentes trans que não são respeitados nem na lista de chamada de uma escola. Ainda estamos lutando para que sancionem mais leis e que possam nos dar o direito de uma vida com mais dignidade e respeito”, finaliza Nathan Santos.

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