Racismo no audiovisual

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Luciana Barreto - Jornalista

Durante uma conversa com uma atriz negra, há alguns anos, comecei a exaltar a luta do movimento negro para que as atrizes não vivessem apenas os papéis de subalternidade na teledramaturgia. Não seriam apenas domésticas, escravizadas, mas também médicas, advogadas, empresárias… Falava sem parar e estava tão orgulhosa do que dizia que não percebi o semblante da minha entrevistada ficando triste. Perguntei o que estava acontecendo. Ela me disse: “depois que o movimento negro começou a travar esta luta justa, eu quase não consigo mais emprego. Começaram a colocar domésticas brancas nas novelas, com sotaque nordestino.” Fiquei chocada e só me lembrava das palavras de Abdias Nascimento: “é claro que, para os beneficiários do racismo, é muito incômodo que nós mexamos nas estruturas racistas da sociedade brasileira, as quais não são de hoje, mas vêm desde 1500. Elas se transformam, se modificam, se enriquecem, mudam de tática e estratégia, mas a estrutura do racismo permanece a mesma coisa.”

Esta semana, voltei a refletir sobre o tema que incrivelmente atinge pessoas que julgamos extremamente fortes. É o caso do ator britânico Idris Elba, que estava entre os mais bem avaliados para interpretar o agente secreto mais famoso do cinema, mas desistiu depois de enfrentar ataques de ódio. Elba seria o primeiro 007 negro mas, depois do ataques, se limitou a dizer: “não preciso disso.”

Poucos dias depois de o racismo derrotar o James Bond, os ataques de ódio miraram outra personagem querida dos cinemas: a pequena sereia, da Disney. A cantora e atriz negra Halle Bailey, dona de longos dreads, foi anunciada como a nova Ariel. A escolha foi defendida pelo diretor do filme Rob Marshall que buscava a característica mais marcante da sereia mais amada do cinema, a voz. “Depois de uma longa busca, ficou muito claro que Halle tem aquela rara combinação de espírito, coração, juventude, inocência e substância – além de uma voz gloriosa”, explicou o diretor para a imprensa. Não adiantou. Nas redes, os ataques de ódio logo se multiplicaram. “Mas a Ariel não é ruiva?”, “não achei bacana não”, “queria uma Ariel bem fiel aos desenhos, uma pena”, lamentaram alguns internautas. Outros lembravam, com um pouquinho de seriedade, que sereias não existem, sejam elas brancas ou negras.

As redes sociais têm sido um termômetro do nosso grau de intolerância e também um catalisador do ódio racial. Neste caso, o roteiro foi mesmo. Funciona. É eficaz! E pode ser resumido pelo sociólogo Stuart Hall: “vemos aqui a eterna luta pela manutenção de privilégios onde determinado grupo está munido de ‘armas discursivas’ para impedir que o ‘submisso’ avance”.

Idris Elba cumpriu o roteiro exatamente como os racistas desejam. Os avanços das populações oprimidas têm se concretizado com muita luta e custando parte da saúde mental das populações. As “armas discursivas” utilizam, como munição, características que apontei na minha pesquisa de mestrado: i; a tentativa de desumanização da população negra, seja no ataque à cor da pele ou a frequente de comparação com símios. ii; o desprezo pelo continente africano, remetendo aos estereótipos, como atraso e selvageria, por exemplo. iii a exaltação do mérito como conquista do branco em contraponto à falta de esforço da população negra para associá-la a pobreza. iv; o ataque constante à estética negra, diminuindo toda e qualquer possibilidade de o belo estar atrelado aos traços físicos do negro.

Toda essa reflexão serve para dizer que nosso contradiscurso não precisa ser apenas escudo. Podemos criar armas discursivas de avanço. Quem anda se debruçando por este tema sabe que a matéria-prima vem de longe. Vem de África!

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