Para quando o protagonismo negro não for manchete

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Jordan Peele

“Extra! Extra! Elenco da próxima novela das nove da TV Globo é  majoritariamente branco!” ou “Extra! Extra! Novo filme de Cao Hamburger prioriza atores de pele clara!” ou “Extra! Extra! Peça de Jô Soares entra em cartaz sem miscigenados!” Bom, não há manchete aí porque é o lugar comum do Brasil 54% negro e pardo.

A subrepresentação de negros e negras nas produções artísticas nacionais – em quantidade e “qualidade” de personagens – é uma  reprodução do racismo estrutural no qual está montada nossa sociedade, observado nas mais diferentes cadeias de produção do país.

Por isso, posicionamentos que escancarem este status quo e trabalhem para a movimentação dessas placas tectônicas provocam tanto alvoroço, retirando diversos preconceituosos das sombras, e fazem bem para quem ainda se faz de cego para a indecência das diferenças étnicas impostas pelos senhores de engenho da modernidade.

A escritora Eliana Alvez Cruz vendeu os direitos cinematográficos de seu livro “O crime do cais do Valongo” para a produtora TV Zero – entre outros, “Bruna Surfistinha”, “Nise – O coração da loucura” e “A  pessoa é para o que nasce”. Com uma condicionante: a contratação de negros para comporem a maioria do elenco e da produção.

Se na cabeça dos realizadores o personagem X, sem descrição de cor de pele definida será naturalmente branco (e o subalterno, o criminoso ou  o secundário que morre no primeiro ato, necessariamente, preto), que se marque posição a priori: na concepção das obras e/ou na comercialização das mesmas.

É um recado que perpassa a indústria não apenas no Brasil. Na meca, Hollywood, o sucesso de “Pantera Negra”, “Moonlight” e seus profissionais técnicos e artísticos; os Oscar de Spike Lee e Lupita Nyong’o; o protagonismo de Will Smith; o destaque das obras de Jordan Peele colocam em evidência o que transcorre há décadas: é negócio, porém é cada vez mais posicionamento.

Jordan Peele

“Não me vejo lançando um ator branco como protagonista em um filme meu. Não que eu não goste de atores brancos, mas eu vi esse filme. Sinto-me feliz por estar nesta posição onde posso dizer à Universal:  ‘Quero fazer um filme de terror de 20 milhões de dólares com uma família negra’. E eles dizem sim”, afirmou o diretor de “Corra” e “Nós”.

E se estas questões ainda são manchete – especialmente na imprensa tradicional – é porque não fazem parte do cotidiano. Ou seja, corre paralelamente à batalha pela nossa sobrevivência como indivíduos a  disputa pelo direito de contar (nossas) histórias.

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