Para ocupar espaços de poder é preciso dividir conhecimento e tempo

Desde que lançamos o Notícia Preta, uma dificuldade tem gerado em mim uma inquietação profunda: onde estão nossos profissionais negros? Uma das missões deste site, além de servir de espaço de profissionalização de estudantes afro-brasileiros, é também dar voz a personagens negros das mais diversas áreas, para mostrar que estamos em todos os lugares e desenvolvemos diversos saberes, não só os que envolvem discussões sobre nossa etnia. Entretanto, a cada matéria que apuro, percebo cada vez mais a demora em encontrar estes representantes para servirem de fonte.

A minha última experiência foi a busca por uma dermatologista negra para falar sobre protetores de sol com cor. Recebi uma enxurrada de recomendações levando à doutora Katleen Conceição, nossa musa inspiradora e maior referência em pele negra do Brasil, senão do mundo! Contudo, eu me recusava a aceitar que em um estado (Rio de Janeiro) com mais de seis milhões de pessoas só houvesse uma dermatologista negra. Continuei minha busca e descobri que, infelizmente, eu estava próxima da realidade. Depois de quase sete dias, idas ao LinkedIn e pedidos de ajuda a amigos, eu consegui o contato de duas profissionais.

Ao final da conversa com a médica residente Nandara Paiva , eu relatei minha saga e perguntei se era isso o que acontecia nas salas de aula – confesso que o fato de ver mais negros nos cursos de Ciências Humanas me deu a impressão de que a situação das universidades estava, enfim, mudando. Para a minha surpresa, ela, que estuda na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), comentou que em sua sala só há ela de negra. E pontua que nenhum professor dela é negro. Para agravar a situação, ela reforça que, realmente, de renome na dermatologia no Brasil, apenas Katleen.

Coincidentemente, o Alê Santos escreveu no Twitter recentemente que o sistema de cotas, que este ano completará 17 anos (a Uerj foi pioneira ao implantá-lo em 2002), fez com que o número de negros nas universidades aumentassem 7% – indo de 2% para 9%. É um número significativo, mas ainda muito abaixo do que deveria ser, contando que mais de 50% da população brasileira se autodeclara negra.

Todas essas informações juntas mostram não só a necessidade da continuidade do sistema de cotas para ingressar nas universidades, como também a necessidade de ampliar as iniciativas que invistam no contínuo aumento de pessoas negras no ensino superior, em todas as carreiras.

Projetos como o do advogado Joel Luiz Costa (que está criando um pré-vestibular social no Jacarezinho, comunidade na Zona Norte do Rio de Janeiro), do Educafro, entre outros são primordiais para que essa realidade comece a mudar. É preciso acompanhar o ensino das nossas crianças desde a entrada na creche, montando turmas para tirar dúvidas, grupos de apoios aos pais, atividades de lazer aos finais de semana, enfim, criar um ambiente favorável para o desenvolvimento de uma pessoa.

Nós negros precisamos entender que o caminho ainda é muito longo, temos que chegar aos 50%, no mínimo, de alunos negros em todos os cursos de graduação, para então começarmos a ocupar espaços de poder. Tornar isso real dependerá da disponibilidade em dividir o nosso conhecimento com quem está vindo atrás de nós.

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