ONU defende justiça restaurativa para legado da escravidão

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Alta comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, em 21 de junho de 2021, em Genebra - AFP

Fonte: Agência France-Presse

A ONU defendeu nesta segunda-feira (12) a ideia de uma “justiça restaurativa” para lidar com o legado da escravidão e do colonialismo, enquanto os países africanos apresentaram uma resolução para criar um grupo de especialistas em racismo e violência policial.

Falando perante o Conselho de Direitos Humanos (CDH) em Genebra (Suíça), a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, pediu o estabelecimento de um mecanismo, com prazo determinado, para fazer avançar a “justiça e igualdade racial”.

Seu pedido foi ouvido pelos países africanos, que apresentaram nesta segunda-feira um projeto de resolução sobre a proteção dos direitos e liberdades fundamentais dos afrodescendentes diante da violência policial.

No texto propõe-se a criação de “um mecanismo de especialistas independentes que possam se concentrar mais claramente no problema do racismo sistêmico dentro da polícia e do sistema de justiça criminal”, explicou o representante camaronês Côme Awoumou, em nome dos países africanos.

Durante os debates, Bachelet apresentou seu relatório sobre a violência policial contra afrodescendentes, publicado no final de junho, poucos dias após a condenação nos Estados Unidos do policial que matou George Floyd. O assassinato deste afro-americano deflagrou um movimento de protesto mundial.

(crédito: AFP / HAZEM BADER)

“Por trás do racismo sistêmico e da violência racial de hoje, está a falta de reconhecimento formal das responsabilidades dos Estados e de outros atores que participaram, ou lucraram, com a escravidão, com o tráfico de escravos transatlântico africano e com o colonialismo – bem como aqueles que continuam a se beneficiar desse legado”, frisou Bachelet.

Ela também denunciou “a repressão às manifestações contra o racismo em alguns países”, que “deve ser levada em conta em um contexto mais amplo, no qual as vozes dos afrodescendentes e dos que lutam contra o racismo estão sendo reprimidas”.

Curar nossas sociedades

“Diante das injustiças profundas e de longo alcance, há uma necessidade urgente de abordar o legado da escravidão, o comércio transatlântico de escravos, o colonialismo e as políticas e os sistemas sucessivos de discriminação racial, e buscar uma justiça restaurativa”, convocou Bachelet.

“Para curar nossas sociedades e fazer justiça aos crimes terríveis, é essencial estabelecer a verdade sobre esses legados e seu impacto hoje, e tomar medidas para remediar esses danos por meio de uma ampla gama de medidas restaurativas”, concluiu.

Seu apelo surge no momento em que a questão da “teoria crítica da raça” é debatida nos Estados Unidos. Este termo define uma linha de pensamento que apareceu nas faculdades de direito americanas no final dos anos 1970 para analisar o racismo como um sistema, com suas leis e sua lógica de poder, e não no nível dos preconceitos individuais.

Recentemente, porém, esta teoria teria se tornado, segundo seus críticos do Partido Republicano, uma fórmula abrangente designando todos os esforços para abordar, nas escolas e nas instituições, episódios sombrios da história americana. Entre eles, a escravidão e a segregação.

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Bachelet afirmou, nesta segunda-feira, que não encontrou um único Estado “que tenha levado o passado em conta, ou que tenha levado em conta seu impacto na vida dos afrodescendentes hoje”.

“Com humildade e introspecção, afirmamos que a desigualdade racial é um desafio enfrentado por todos os Estados, inclusive os Estados Unidos, mas que, juntos, podemos superá-la”, declarou o representante americano, Ben Moeling, no CDH.

A alta comissária reiterou seu apelo para o estabelecimento de estatísticas étnicas, uma visão que não é compartilhada por todos os países.

A esse respeito, Iyad Jaber, representante francês na ONU em Genebra, destacou que “segmentar a proteção dos direitos humanos por meio da seleção de um determinado grupo seria contrário ao próprio objetivo da igualdade de direitos, elevado desde 1948 à categoria de objetivo universal. Isso geraria uma assimetria de direitos entre os indivíduos, levaria ao abandono de certos cidadãos e abriria caminho para a competição entre grupos”.

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