O que Amor de Mãe ensina sobre a adoção?

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A arte imita a vida ou a vida imita a arte? Peço licença ao clichê para abrir a coluna de hoje. O fato é que é cada vez mais comum ver assuntos considerados tabu sendo discutidos na tevê. Neste mês, a novela Amor de Mãe foi retomada após paralisação por conta da pandemia do novo coronavírus. E desde os primeiros capítulos, um tema vem sendo bastante discutido: a adoção.

Tem três protagonistas que vivenciam a adoção de maneiras bem distintas: Vitória (Taís Araújo), Lurdes (Regina Casé) e Thelma (Adriana Esteves). A personagem de Taís é uma advogada bem-sucedida, que sempre teve o sonho de ser mãe. Ela quer muito engravidar e quando consegue, perde o bebê aos seis meses de gestação. Após esse drama, ela termina seu relacionamento, então decide adotar uma criança. Não que seja necessário passar por isso para ter o desejo de adotar uma criança. Mas cada pretendente tem a sua particularidade e tá tudo bem. A adoção de Vitória aconteceu da maneira mais correta possível. Passando por todas as etapas do processo junto à justiça, ela adotou uma criança preta de nove anos. Aqui vale dizer que as crianças negras são a maioria na fila de adoção e as mais preteridas pelos pretendentes – das 8632 aptas, 5699 são pretas ou pardas. E quanto mais velha, menor é a chance de ser adotada.

O que me chamou muito a atenção é que seis meses após a adoção, a personagem de Taís Araújo conseguiu engravidar e o seu filho adotivo (Tiago, meu xará, que me arrancou muitas lágrimas nos primeiros dias de novela), sentiu um medo danado de ser devolvido ao abrigo. Medo de ser preterido. Medo da história se repetir com ele. O que é uma realidade cruel. O segundo ou em alguns casos o terceiro abandono. O descarte como se a criança/adolescente fosse um objeto que foi usado e não presta mais. Não existe um levantamento nacional (o que é um absurdo), mas a questão não deve ser desprezada. É mais comum do que você pode imaginar. 

A outra reflexão sobre a adoção vem com a personagem de Lurdes, interpretada por Lucy Alves e Regina Casé. Uma mulher negra, pobre, nordestina, mãe de três filhos, que matou o marido ao descobrir que ele vendeu seu próprio filho (Domênico – Chay Suede). Lurdes foge com as crianças numa carroça e nessa fuga encontra uma bebê recém-nascida abandonada num cesto e decide adotar (Camila). Ela fala que foi um presente de Deus. “Perdeu um filho, mas ganhou uma filha”. Apesar de nunca ter esquecido o filho que foi vendido. E Camila, a bebê adotada, ganhou uma oportunidade de viver. Teve educação. Se tornou a primeira pessoa da família a entrar numa universidade. Virou uma excelente professora e transformou a vida de vários jovens periféricos. É sobre o poder de uma oportunidade.


E aí que entra a Thelma, personagem interpretada por Adriana Esteves. Uma mulher branca, dona de um restaurante herdado da família, que viveu o trauma de perder o marido e o filho num incêndio na própria casa. Thelma chegou a resgatar o filho desacordado das chamas, socorreu ao hospital, mas não conseguiu evitar a morte dele. Ela surtou com tudo isso. E ainda no hospital, trombou com pior destino: uma traficante de criança. E num ato de desespero após a perda do filho, decidiu comprar uma criança de dois anos – mesma idade do filho. A criança era Domênico, o filho que o marido da sua melhor amiga, Lurdes, havia vendidoA criança cresceu achando que Thelma havia lhe adotado com dois dias de vida. Essa era a história que ela contava. O que era uma grande mentira. Aqui, vale um enorme parênteses: em hipótese alguma, a adoção e o tráfico de crianças podem ser comparados. O caso de Thelma não foi adoção, foi um crime. De acordo com o, último relatório do Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), o número de crianças vítimas de tráfico humano triplicou nos últimos 15 anos. Foram detectados cerca de 50 mil casos de tráfico de pessoas em 148 países, apesar de a organização ponderar que o número pode ser muito superior.


Então, a novela apresenta várias questões sobre a adoção. Várias provocações. Um grande convite a reflexão. Como filho adotivo, ouço muito a pergunta: como descobriu a sua adoção? E a verdade é que não teve ”O Momento, O Dia, A Hora…” E penso que não tem uma receita pronta, mas acredito muito nessa naturalidade. Nada de jantar especial com a família ou qualquer coisa parecida. Não tem que ter festa de anúncio. É prática diária. No dia a dia. O filho adotivo não quer se sentir diferente. Ele quer apenas ser filho. Aliás, todo filho precisa ser adotado e isso inclui os biológicos. A adoção é uma escolha de amor e cuidado. Ser adotado não é um adjetiv0.

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