Neguinho da Beija Flor: “a nossa história foi queimada, pouco se sabe ainda”

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Um dos nomes mais conhecidos do samba brasileiro e único intérprete de escola de samba não remunerado no Rio de Janeiro, Neguinho da Beija Flor completou 70 anos no último sábado (29) e falou ao repórter
Paulo Víctor Mafrans, do Jornal Extra, sobre samba, carreira e racismo. Há exatos 43 anos, Neguinho da Vala se tornava da Beija Flor, escola de Nilópolis que lhe abriu as portas, no ano de 1975. Já no ano de 1976, Neguinho teve seu samba, “Sonhar com rei dá leão” eleito para o desfile, quando a Beija Flor sagrou-se campeã do carnaval carioca. Segundo ele, o intuito era buscar uma vaga em uma das quatro grandes escolas da época, Império Serrano, Mangueira, Portela e Salgueiro, mas quando procurou a Beija Flor, as portas se abriram. “A Beija-Flor me deu a grande oportunidade da vida. Sou o único intérprete não remunerado do carnaval do Rio porque, na minha concepção, acho injustiça cobrar alguma coisa da escola. Ela me fez ser quem eu sou. Vejo que as pessoas valorizam muito essa fidelidade. Sou um rei fiel aos súditos”, relembrou.

Foto: Divulgação

Durante muito tempo o Brasil foi um país escravocrata e racista, explicitamente, mas esse passado não ficou onde deveria. Ainda de acordo com Neguinho da Beija Flor, a sociedade brasileira parou no tempo em relação aos direitos humanos, relembrando os casos de racismos que já sofreu e os que ainda sofre até hoje. “A luta pelos direitos civis do negro é muito importante. A nossa história foi queimada, pouco se sabe ainda. Pelé nega o racismo. Eu, não. Não fui embranquecido por conta da fama e do dinheiro e continuo sofrendo com isso. Um exemplo marcante para mim e recente foi quando me ligaram pedindo para eu autorizar o uso da música “É campeão” num comercial nacional por seis meses, e me ofereceram R$ 25 mil. Só que eu liguei para um amigo compositor, branco e de olhos azuis, que recebeu R$ 350 mil para liberar uma canção dele, tão conhecida quanto a minha. Não topei, claro! Já me ofereceram R$ 10 mil para fazer uma campanha publicitária ao lado de uma atriz branca, que ganharia R$ 150 mil. Também não aceitei”, revelou o compositor e continuou dando nomes aos bois. “A Friboi quis me pagar R$ 1 mil para ser garoto-propaganda deles. Tá louco? Eles não querem deixar o negro vencer, mas a gente vai continuar lutando” disparou.

Saúde 

Relembrando o tratamento do câncer no intestino, diagnosticado em 2009, neguinho ressalta a importância de sua esposa, Eliane, durante o processo. “Já morávamos juntos e, quando ela estava com sete meses de gravidez, descobrimos meu câncer. Foi uma loucura, rapaz. Se eu morro e ela fica com a criança? Eu me inspirei muito na atriz Patrícia Pillar. Quando o médico dá a notícia, um buraco se abre no chão. Chorei três dias seguidos, mas me lembrava muito dela (Patrícia), que sobreviveu a um tumor muito agressivo na mama. Eu sou disciplinado, cara. Fiz 15 sessões de quimioterapia e 56 de radioterapia. Na última químio, tive choque anafilático. Quando o remédio desceu na veia, comecei a gritar: “Tô ficando cego, tô ficando cego. E apaguei. Quase morri e fui direto para o CTI” relembra.

Saiba mais sobre os efeitos do racismo na saúde das pessoas negras

Apuração do carnaval carioca – Foto: Alexandre Durão/G1

Os números

Ao todo, Neguinho tem 500 canções e metade dessas músicas foi gravada por ele e outros cantores. Além disso, ele gravou 29 discos e compôs seis sambas que a Beija-Flor defendeu na Sapucaí e em três ocasiões, a azul e branco de Nilópolis sagrou-se campeã do carnaval carioca. 

Igor Rocha

Igor Rocha

Igor Rocha é jornalista, nascido e criado no Cantinho do Céu, com ampla experiência em assessoria de comunicação, produtor de conteúdo e social media.

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