Memória, verdade e justiça para os terreiros

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Por: Jorge Santana – historiador, pesquisador, documentarista e doutorando em Ciências Sociais

Há poucos dias celebramos o dia nacional de combate a intolerância religiosa, no Brasil. Em nosso país intolerância religiosa é um eufemismo para racismo religioso, pois 70 % dos casos de intolerância religiosas registrados nas delegacias as vítimas são praticantes das religiões afro-brasileiros. A própria data do dia de combate a intolerância surgiu, porque foi o dia em que uma Yalorixá  Gilda morreu em decorrência de atos racistas.

O racismo religioso, uma das faces do racismo estrutural no Brasil vem de longa data. O primeiro Código Penal republicano  brasileiro criminalizava as religiões afro-brasileiras em três artigos. Esses artigos foram responsáveis por uma perseguição institucional do Estado brasileiro (Na época já era um Estado laico) contra as religiões de matrizes africanas. De 1889 até 1945 milhares de casas de santo, líderes religiosos e praticantes foram presos, alguns julgados e outros condenados por terem fé.

No Rio de Janeiro, os objetos religiosos oriundos dessa perseguição ficaram sobre a tutela da polícia.  Com esses  objetos foi criada a coleção “Magia Negra”, coleção exposta no museu da instituição de forma racista, intolerante e espetaculosa. O próprio nome da exposição já diz muito da  maneira “freak show” como aquele sagrado era exibido  aos visitantes do museu. Não podemos ignorar que a exposição apresentava objetos de crime e não objetos sagrados do Candomblé da Umbanda.

 Foram décadas de luta para que tais objetos deixassem de ser exposta dessa maneira abjeta. A campanha Liberte Nosso Sagrado reunindo religiosos, militantes, parlamentares e demais atores fez uma representação ao Ministério Público Federal, em 2017. Reivindicando a transferência da coleção sagrada para outro museu . No dia 21 de setembro de 2020 finalmente ocorreu a transferência do acervo para o Museu da República, onde serão cuidados com o devido valor sagrado e os religiosos participarão da administração.

A transferência foi uma vitória, mas queria citar um caso interessante. Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial o Império japonês atacou os EUA. Colocando os ianques no conflito. Contudo, milhares de imigrantes japoneses residiam na América do Norte. Os homens foram presos e levados para uma dezena de campos de concentração espalhados pelo EUA, pelo simples fato de serem nipônicos ( muitos já eram naturalizados americanos). Na década de 1980 teve início uma política de memória, verdade e justiça. Todos os nipo-americanos presos injustamente nos campos de concentração naquele período  receberam uma indenização de 20 mil dólares e um pedido de perdão do Estado norte-americano.

Essa história da reparação dos japoneses na América é um gancho para defender que apenas a transferência dos objetos sagrados é insuficiente . Em primeiro lugar precisamos de um pedido de perdão do Estado Brasileiro. Em segundo lugar uma política  permanente nacional  de combate ao racismo religioso. Em terceiro uma indenização aos terreiros ainda existentes que foram vitimados pela perseguição no passado. Em quarto lugar um museu do Sagrado afro-brasileiro. Sem medidas como essas, entre outras não citadas, não  romperemos com o racismo religioso  brasileiro que é intrínseco a cultura brasileira. 

Por: Jorge Santana – historiador, pesquisador, documentarista e doutorando em Ciências Sociais

2 Replies to “Memória, verdade e justiça para os terreiros”

  1. Wendell Setubal disse:

    Texto bom ; o pior são traficantes que se tornam evangélicos, são os que mais perseguem os cultos afros

  2. Carol Paixão disse:

    Incrível esse artigo. Todo dia eu aprendo um pouco mais com vocês, obrigada por dividir conhecimento e agregar valores, pessoal. ♥️

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