Mais que um single, AmarElo é uma injeção de ânimo que estimula gerações

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Por Jader Theóphilo

É possível recobrar, fortalecer ou, até mesmo, criar os sentimentos de orgulho, resistência, herança e pertencimento, em pouco mais de cinco minutos? Em seu novo single #AmarElo, lançado nesta terça-feira (25), Emicida prova que a resposta é sim. 

O material, que é o segundo registro do novo álbum de estúdio do rapper, traz as participações de peso das cantoras Pabllo Vittar e Majur. Parcerias que aprofundam, ainda mais, o tema trabalhado na canção. 

“Permita que eu fale e não as minhas cicatrizes. Achar que essas mazelas me definem, é o pior dos crimes. É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóiz sumir”. Esse é um trecho retirado de uma poesia do rapper embalados pela produção do Felipe Vassão e DJ Duh e entoado com delicadeza e vivacidade pelo trio. Essa frase representa mais do que uma simples música. 

Não é pouco comum encontrarmos pesquisas sobre a população negra e LGBTQ+ que ganham os jornais com dados chamativos e alarmantes. São dados necessários sobre número de mortes por hora, relação de abandono afetivo, população carcerária e outras do mesmo estilo. 

Portanto, durante a construção desse texto, achei melhor seguir a mensagem da música e deixar de lado, ainda que momentaneamente, as cicatrizes de um povo que é mais lembrado por números e estatísticas negativas, do que pelos grandes feitos ao longo da história. Porém, isso não foi tarefa fácil. Muitas vezes, quando se olha apenas para dados sociais não favoráveis, há uma desumanização que reitera o lugar dessas pessoas no imaginário popular. O de subalternidade. 

Sobre esse trecho da música, apresento uma das poucas pesquisas que encontrei com resultados positivos, dos últimos anos, que nos permite ter esperança de assumirmos um novo papel de protagonismo. 

De acordo com a antiga Secretaria de Políticas de Igualdade Racial, nos três primeiros anos da lei federal de cotas, 150 mil estudantes negros ingressaram em universidades públicas, no país. Já no último censo do ensino superior, 2016, realizado pelo Ministério da Educação, mais de 2,4 milhões de negros e indígenas estavam matriculados, somando 30% dos universitários.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de negros no nível superior praticamente dobrou entre 2005 e 2015.  Em 2005, um ano após a implementação de ações afirmativas, 5,5% dos jovens pretos ou pardos na classificação do IBGE e em idade universitária frequentavam uma faculdade. Em 2015, 12,8% dos negros entre 18 e 24 anos chegaram ao nível superior. Então nos permita falar e não as nossas cicatrizes.

Pabllo Vittar, Majur e Emicida – Foto: Fernando Schlaepfer

Voltando ao hino de Emicida, a música traz o sample com os vocais originais de Belchior na canção “Sujeito de sorte”, presente no disco “Alucinação”, de 1976. “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro” é o trecho que marca o início de AmarElo e que mais tarde se torna o refrão, na voz de Majur. Embora tenha sido lançada há 43 anos, na época da Ditadura Militar brasileira, a letra de Belchior soa tão atual e ganha um contexto necessário aos dias de hoje. 

Não é difícil linkar a parte da gravação ao cenário político nacional que há menos de um ano, teve como pauta, em período eleitoral, gênero e sexualidade. Aspectos que ganharam espaço por meio de frases mal-intencionadas traduzidas por um infame e mentiroso “kit gay”. 

A resposta a isso pode ser vista neste domingo, 23, quando, segundo organizadores, três milhões de pessoas se reuniram em resistência, celebração e orgulho na Parada LGBTQ+ de São Paulo.

Vale dizer que as três estrelas, Pabllo, Majur e Emicida, gravaram o vídeo clipe, dirigido por Sandiego Fernandes, no complexo do Alemão. Neste local, tiveram a Casa Voz, do Voz da Comunidade, no Morro do Adeus como camarim e suporte para toda equipe. 

A produção, também, trabalha de forma pontual o simbolismo da cor amarela, que representa alerta e atenção à problemas psicológicos. Logo no início do vídeo é possível ouvir o desabafo emocionante de uma pessoa que convive com o peso e luta para se conectar com a vida durante o tratamento da depressão.

“AmarElo” também é o nome do terceiro álbum de estúdio de Emicida, que teve seu último compilado, “Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa”, lançado em 2015.

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