Licínio Januário, fundador da plataforma de streaming Wolo TV: “até quando vamos pedir bênção para o nosso opressor?”

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Licinio Januário – Diretor e cofundador e CCO da Wolo TV. Foto Divulgação Wolo

Dizem que o céu é o limite para quem sonha grande. No caso do ator, roteirista, produtor e diretor Licínio Januário, a meta é dominar o mundo. Inconformado com os “nãos” que geralmente as produções pretas recebem, em 2020, ele e o parceiro nos negócios, Leandro Lemos, deram início à Wolo TV, a primeira plataforma de streaming do Brasil 100% focada na produção, exibição e distribuição de conteúdo preto para o povo preto. Totalmente antenado no cenário do entretenimento ao redor do mundo, Licínio, que é de origem angolana e está no Brasil desde 2006, bateu um papo com o Notícia Preta.

Januário foi um dos idealizadores do Segunda Black, movimento que une os coletivos de teatro negro do Rio de Janeiro. Também no Rio, foi premiado melhor ator da 19ª edição do Festival de Teatro da cidade. Sua estreia em telenovelas foi na trama Segundo Sol, da TV Globo. Na entrevista, Licínio falou sobre o mercado audiovisual no Brasil e no mundo, sobre a estratégias da Wolo para manter o foco no consumidor final e sobre o ambicioso processo de expansão da plataforma para ganhar o mundo. Licínio contou também sobre suas origens e sobre a importância de reeducar o povo preto para o consumir produtos produzidos por pessoas pretas.

Licinio Januário – Diretor e cofundador e CCO da Wolo TV. Foto Divulgação Wolo

NP: Quem é Licínio Januário? De onde você vem, conta um pouco da sua história?

LJ: Eu nasci em Angola e moro no Brasil desde 2006, mas minha família é toda angolana. Vim para o Brasil para estudar engenharia civil e me formei em 2013, esse foi meu primeiro objetivo aqui no Brasil. Logo depois encontrei a capoeira, outra grande paixão. Costumo dizer que sou um cara do entretenimento, mas que tem a capoeira e a engenharia como base. Também sou ator,  produtor, já fiz novela, teatro e muita coisa no campo do entretenimento.

NP: Quem são as suas referências no campo do audiovisual e do empreendedorismo?

LJ: Minha geração viveu a guerra em Angola, mesmo que indiretamente. E esta geração viu pessoas como meu pai, um homem que deixou o exército e se tornou empresário. É uma referência muito forte em minha vida. Mas falar de referência no campo da arte para mim é complexo, porque em Angola, no período em que eu cresci, muito por causa da guerra, não tinha tanta produção artística, então importamos muita coisa. Minhas referências são da Nigéria, dos EUA, do Brasil, da China, enfim, do mundo todo.

Mas se eu puder juntar empreendedorismo e audiovisual, minha grande referência é o Tyler Perry. Além de atuar, dirigir e criar uma personagem icónica, ele teve a ousadia de criar narrativas para o povo preto, e de criar uma indústria cinematográfica altamente lucrativa e desenvolvida em Atlanta, na Geórgia, concorrendo contra Nova York e Los Angeles. 

Ele conseguiu atingir o consumidor final, o povo preto. Por isso me inspira tanto. Nós aqui no Brasil sabemos qual é o nosso consumidor final, mas não conseguimos atingi-los. E isso se deve à estrutura brasileira, ao racismo brasileiro. O Brasil é um país muito importante para o mundo em termos de mercado preto. É a maior população preta fora de África, tem a segunda maior população preta, só perde para a Nigéria, e é a maior população preta na América Latina. E por isso mesmo romper essas estruturas do racismo no mercado é tão complexo.

NP: Você criou o primeiro serviço de streaming totalmente focado no povo preto. Como fundador e CCO da Wolo TV, conta pra gente como surgiu a ideia e o que o motivou?

LJ: Somos uma plataforma de streaming. Nosso foco é a produção, exibição e distribuição de conteúdo preto, principalmente focado na América Latina e nos países de língua portuguesa, mas nosso objetivo é levar isso para o mundo. O mudo quer conhecer esse conteúdo preto brasileiro. A Wolo surge dos “nãos” das plataformas tradicionais, das inúmeras recusas que recebemos. Nos EUA, por exemplo, a população preta é 4 vezes menor que a do Brasil e eles tem, só no mainstream uns 10 canais. Então, a pergunta é: por que a gente vai sempre dar o que é nosso para uma plataforma que oprime o povo preto? Temos vários exemplos de sucesso, de empresas pretas que focam no povo preto como a MultiChoice, que tem base na África do Sul, mas está presente em toda a África. 

Até quando vamos pedir bênçãos para o nosso opressor? Se é através da comunicação que somos escravizados, é através da comunicação que vamos potencializar os empreendedores pretos. 

NP: Vocês apostam num modelo um pouco diferente das concorrentes do mercado, em termos de estratégia de marketing (valores, distribuição, não ter assinatura mensal etc). Como vocês fazem para o negócio ser algo sustentável, além de inovador? 

LJ: Precisávamos dar um primeiro passo, e por isso optamos num modelo pay per view. Isso pela necessidade de gerar curiosidade no público. Os grandes streamings não precisam disso. E nessa era que vivemos, tudo gira em torno dos dados, quando alguém olha o catálogo, nos dá a chance de manter um diálogo com ele depois, e o próximo passo é torná-lo cliente. Mesmo concorrendo com os grandes, nosso foco está em produzir conteúdo para o povo preto, entendo que o Brasil não tem um apreço por conteúdo nacional. E o motivo é claro: o povo não está se vendo.  

NP: Em dezembro de 2020, vocês lançaram a série “Casa da Vó”, uma produção original de altíssima qualidade e que reuniu um grande elenco, estrelando Margareth Menezes. A que se deve o sucesso da sitcom?

LJ: Essa série vem dizer que a gente pode, sim. Que estamos mais que gabaritados para fazer uma produção grande como essa. Pessoas pretas escreveram: além de mim, Alex Miranda, Érica Ribeiro. Essa foi minha primeira grande direção, o que valida essa questão da direção e das referências do diretor. Foi um conteúdo que a gente lutou muito para produzir, e conseguimos provar para o sistema que a gente não precisa de nada, só de investimento para tirar os inúmeros projetos que temos na gaveta. 

NP: Qual a sua visão sobre dinheiro, economia e o black money?

LJ: Acredito que ainda teremos mais uns 40 anos pela frente de reeducação de consumo do nosso povo. Acho que sempre miramos no lugar errado, mirávamos na benção do opressor. Temos que pedir benção é para o nosso povo. Esse processo de reeducação é para que o dinheiro comece a circular entre a gente de forma proposital. Quem gira a economia do país é a quebrada. O carnaval é um exemplo disso: quem faz o samba acontecer é o povo, mas o lucro do carnaval vai pras mãos dos ricos. A gente vive num mundo capitalista, é preciso aceitar isso. E a gente precisa ser racional. 

É uma guerra e a gente precisa vencer. Enquanto a gente não entrar para essa guerra e não convencer o nosso povo para consumir produtos pretos, não vamos conseguir vencer essa guerra. Se falarmos de Pandemia, por exemplo, só a Quebrada não parou. A quebrada tinha que sair da quebrada para garantir que essa zona rica não ficasse sem o lazer deles.

NP: Quais são os planos para o futuro da Wolo? 

LJ: Vem novidade por aí. Estamos fazendo a migração da Wolo também para as smart tvs. Estrategicamente o nosso slogan é “vem todo mundo”. Queremos levar nosso conteúdo preto lusófono para o mundo. Os pretos americanos estão onde estão porque eles conquistaram o mundo primeiro. Os processos das pessoas pretas são os mesmos em todos os lugares, as estratégias enquanto comunidade é que são diferentes. Precisamos dominar o mundo para acelerar todos esses processos aqui.

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