Justiça racial, reparação e antirracismo

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Por Claudia Cruz*

A população negra do estado do Rio de Janeiro e do Brasil reviveu, na última semana, duas datas dolorosas em sua história. A primeira, os 134 anos da inconclusa abolição da escravatura, historicamente marcada pela assinatura da Lei Áurea, data de apagamento do movimento abolicionista e seus importantes expoentes negros. A segunda, a dolorosa memória de 1 ano da chacina do Jacarezinho.

O movimento Black Lives Matter pede justiça racial e o fim do racismo – Foto: Reprodução

A Casa Fluminense, neste mês de maio, traz para o debate público a nova Agenda Rio 2030. A edição de 2022 da publicação dá centralidade para 4 justiças: Justiça Racial, Justiça Econômica, Justiça de Gênero e Justiça Climática. Dentro das 12 propostas que compõem a Justiça Racial estão alinhadas ações para construção de políticas públicas para a maioria da população (pretos e pardos são 53% da metrópole, segundo o Mapa da Desigualdade, de acordo com o Censo de 2010) negligenciada e sub-representada historicamente. 

Em se tratando de Justiça Racial, a violência, infelizmente, também é uma variável histórica e com forte correlação. A Letalidade Violenta, em 2021, chegou a 4.755 mortos no estado, sendo que cerca de 3 em cada 4 desses óbitos ocorreram na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). O indicador engloba, sobretudo, homens negros, que são maioria das vítimas por homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte ou morte por intervenção de agente de estado.

Em relação ao último crime citado, as mortes por intervenção de agente de estado são apenas um dos quatro crimes que compõem o indicador de Letalidade Violenta. Contudo, na RMRJ foram mais de 1.200 mortes, sendo que mais da metade desse número (55%) ocorreu somente na capital e em São Gonçalo. Foram pelo menos 440 óbitos na Baixada Fluminense, cerca de 36% do total para a RMRJ, e 316 nos municípios do Leste Metropolitano. Um fato é indubitável, o perfil majoritário dessas mortes é praticamente o mesmo para todos os 22 municípios da RMRJ: homens pretos e pardos.

De acordo com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF), no período que abrange os anos de 2007 e 2021, o estado do Rio contabilizou 2.374 mortes em 593 chacinas policiais. Em 2021, o estado do Rio de janeiro foi marcado por duas chacinas que chocaram a população: a chacina do Jacarezinho, que teve 28 mortos; e a chacina no Complexo do Salgueiro em São Gonçalo, com 9 mortos, entre eles alguns com sinais de tortura.

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A chacina do Jacarezinho, que teve lugar no dia 06 de maio de 2021, entrou na história como a mais letal do Estado e representou uma dupla violência para os familiares de suas vítimas. Exatamente no marco de um ano de sua ocorrência, familiares se uniram com organizações de direitos humanos para homenagear aqueles que perderam suas vidas, incluindo um policial. Entretanto, 5 dias após os atos realizados em memória dos mortos, o monumento erguido da favela foi destruído pela polícia, sob os argumentos de apologia ao tráfico de drogas.

Tratar os moradores de favelas e periferias como criminosos e usar a política de segurança pública como uma estrutura estatal de morte reproduz o tratamento dispensado à população negra desde o período da escravidão, onde a privação de direitos e a violação de corpos era a marca dos capitães do mato e dos senhores de engenho.

O racismo estrutural do nosso país se derrama por todas as instituições e vai além da segurança pública. A população negra vive diversas violências, sendo as principais vítimas do racismo religioso, da violência obstétrica, do feminicídio, da transfobia, da falta de oportunidades para a juventude negra em favelas e periferias e da ausência de políticas concretas de reparação do direito à memória. 

Símbolo da justiça – Foto: Reprodução

A Agenda Rio 2030 não foca somente na pauta da violência. Dentre suas 12 propostas para Justiça Racial, destacam-se: a necessidade de garantir oportunidades para a juventude negra em favelas e periferias, um esforço para romper o ciclo de ausência de bens e serviços para os vulneráveis; priorizar saneamento básico em favelas e periferias; promover o suporte a empreendedores e empreendedoras negras; preservar o patrimônio cultural material e imaterial da população negra; e garantir projetos que promovam maior equidade na política e superar a sub-representação da população negra.

Políticas públicas interseccionais são o caminho para a superação do racismo e reparação histórica da violência e privação do povo preto. O desenho dessas políticas prescinde do debate entre gestores públicos, organizações da sociedade civil e o seu público-alvo: negros, negras e negres do estado do Rio de Janeiro. É preciso discutir Justiça Racial! É preciso debater igualdade racial e políticas antirracistas! Venha para o Fórum Rio.

Claudia Cruz é Doutora em Políticas Públicas, Especialista em Avaliação de Projetos e coordenadora de informação da Casa Fluminense.

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