Jornalista Raoni Oliveira lança 2ª edição do concurso ‘Raoni é 10’: “Quero que mais pessoas ocupem posições de sucesso”

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Jovens negros ocupando espaço na universidade já é uma realidade, entretanto, a desigualdade entre brancos e pretos ou pardos ainda é visível no âmbito acadêmico. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de escolarização de pretos e pardos de 14 a 24 anos, chega apenas a 28,8 enquanto brancos equivalem a 37,9.

Na tentativa de reparar diferenças e oportunizar de forma igualitária o acesso desses jovens a universidade, um homem de “quebrada”, como ele se define, periférico – jornalista e influencer, Raoni Oliveira lança, o concurso “Raoni é 10” em parceria com a UNIFTC, ofertando bolsas de estudos para jovens periféricos que sonham em ingressar na área do jornalismo.

O concurso já está na segunda edição e desta vez, contempla apenas mulheres periféricas de Salvador ou Região Metropolitana, de 17 a 28 anos, que tenham cursado o ensino médio em escola pública. Raoni sabe da importância que é possibilitar o acesso desses jovens ao ensino superior, pois também vivenciou essa realidade.

Nascido e criado no bairro de Cosme de Farias, localizado na região de Brotas, um dos bairros periféricos em Salvador, Raoni deseja ser uma potência representativa para eles.

Em entrevista ao portal Notícia Preta, o jornalista explica que o concurso “é uma ação que de fato transforma e a gente sente o poder dessa transformação”. A seguir, confira a entrevista completa com o jornalista:

Notícia Preta: como o concurso “Raoni É 10” viabiliza a inserção de mais jovens negros na universidade?

Raoni Oliveira: “Eu acredito que o concurso tem o objetivo de oportunizar sonhos de jovens de “quebrada”, que são estudantes de escolas públicas. Esta é a segunda edição do concurso. Na primeira, três garotos venceram de regiões diferentes aqui de Salvador e da Região Metropolitana e dessa vez, o concurso visa viabilizar a inserção de mulheres de “quebrada”; de periferia; mulheres estudantes ou que já estudaram em escolas públicas; sobretudo no ano tão complicado, por conta da pandemia e de todo esse processo do ENEM inclusive, a indecisão de ter ou não e a ansiedade na revelação das notas. Enfim, todo o processo em um ano muito difícil para o estudante. Quando a gente faz esse recorte de intersecção, sobretudo, as mulheres negras. O concurso visa oportunizar, pelo menos, duas dessas mulheres aqui de Salvador e Região Metropolitana, possam ingressar em uma faculdade privada de referência aqui para a nossa cidade, estudando jornalismo sem pagar uma mensalidade.”

Notícia Preta: Porque nesta segunda edição o concurso é voltado apenas para mulheres?

Raoni Oliveira: “Na primeira edição, embora tenha sido aberta para todos os gêneros e embora na fase final, as juradas e jurados tenham escolhidos mulheres; na votação popular, o público escolheu três vídeos de três garotos “de quebrada”, de periferia e alguns comentários inclusive, me fizeram refletir ainda mais sobre a necessidade de oportunizar também mulheres. Juntamente com a faculdade que me formou, a UNIFTC, que é responsável por esse concurso junto comigo, a gente bateu um papo e trocou uma ideia e pensou porque não, no mês de março, nesse mês em que existe um debate ainda maior sobre a inserção das mulheres em diversos setores do mercado de trabalho, sobre o respeito, sobre a equidade; enfim, sobre os diversos processos em relação a mulher. Então, porque não a gente oportunizar duas mulheres a participar deste concurso?!”

Notícia Preta: Então, o concurso este ano é voltado para a comemoração ao Dia da Mulher? Por isso, foi lançado no mês de março?

Raoni Oliveira: “Justamente, ele foi lançado no mês de março em comemoração ao Mês da Mulher e se estende até o mês de abril, inclusive o resultado e todo o processo final termina em abril. Mas, ele foi lançado em março para comemorar este mês que já é por si só, um mês muito especial para as mulheres.”

Notícia Preta: Como surgiu esta iniciativa de criar um concurso voltado para jovens periféricos?

Raoni Oliveira: “A iniciativa de criar o concurso vem primeiro, porque eu sou da periferia e sei da importância que é oportunizar, a importância que é você conhecer pessoas e estar no lugar certo e na hora certa. A importância que é a oportunidade de você mostrar o seu trabalho ou de estudar, enfim, isso muda de fato diretamente a vida de um jovem de periferia. Então, agora que eu posso fazer isso, eu faço questão de ter atividades que possam impactar diretamente na vida das pessoas, na vida social de uma “quebrada”, de uma comunidade.
Isso já está no meu DNA e em outras ações que eu já faço há algum tempo. Comecei com o “RH do Rao”, era um trampo em que eu divulgava nas minhas redes sociais as pessoas, para tentarem de uma certa forma, conseguir um trabalho; principalmente em um período tão difícil de empregabilidade que o nosso país está vivendo. Posteriormente, eu fiz uma ação de ajudar os filhos a presentearem os seus pais, para fazer uma troca de afetos. Além de algumas ações de distribuição de cestas básicas, enfim, o social sempre esteve muito presente no meu DNA, porque eu acho que é importante.
Quando a gente consegue subir um pouco, quando a gente fala “Pretos no Topo”, a gente imagina que os pretos precisam trazer os seus, os nossos, para que a gente possa colocar mais gente no topo e que outras pessoas possam chamar mais gente, e que a gente comece a mudar a pirâmide. Hoje na pirâmide social, a gente vê pessoas ricas e brancas no topo e a base social é composta por mulheres pretas, pobres, de periferia e LGBTQI+; enfim, a gente precisa inverter essa pirâmide cada vez mais ou no mínimo equilibrar.
A ideia vem de uma necessidade que eu já sei, primeiro pela vivência, segundo por analisar e entender que as pessoas de “quebrada” precisam sempre que subir, e se for possivel, ajudar outras pessoas quando estiverem no topo.”

Notícia Preta: Logo, essas suas iniciativas sociais podem ser consideradas uma forma de empoderamento?

Raoni Oliveira: “Eu acho que é mais sobre representatividade, eu acho que é sobre ações que possam incentivar e encorajar pessoas, a se colocarem e se enxergarem, não só no jornalismo, mas em uma posição em que elas querem ser. Se uma jovem de “quebrada” quer ser médica, cientista ou dançarina, enfim, o que ela quiser ser, ela pode ser. Eu quero que mais pessoas possam ocupar uma posição de sucesso, de poder, de ascensão, para que mais gente possa se enxergar e querer estar ali.”

Notícia Preta: Como você falou em representatividade, você é uma dessas figuras representativas para a Bahia, sobretudo, no telejornalismo. Como você acha que o seu trabalho impacta na formação de outros jovens negros?

Raoni Oliveira: “Eu acho que impacta diretamente, primeiro como eu falei na pergunta anterior, quando eu digo que a representatividade faz as pessoas ligarem a televisão todos os dias, de segunda a sexta-feira, no horário do almoço, um horário nobre da programação local e enxergarem um jovem negro. Um jovem que fala e anda como eles, se veste em determinados momentos como eles, o que levam a pensar: poxa eu posso estar ali naquele lugar, eu posso ser também um apresentador de televisão, eu posso ser de fato, quem eu sou.”

Notícia Preta: Qual impacto do concurso na vida dos jovens?

Raoni Oliveira: “O impacto desse concurso, é justamente para a gente movimentar uma cena onde a gente acredita. É um ano como eu disse, muito complicado, um ano de pandemia, um ano em que muitos desses jovens pararam por um tempo de estudar e agora que estão retomando as aulas. Como o concurso é aberto para jovens acima de 25 anos, por exemplo, jovens que talvez até desistiram de entrar na faculdade por diversos caminhos que a sua vida seguiu, e que agora eles falam: poxa, agora pode ser, talvez; a minha última chance, sabe? pode ser a minha última oportunidade; e isso é muito sério, muito importante. A gente entende, não só eu, mas toda a minha equipe que está envolvida neste concurso, a gente sabe que estamos lidando com sonhos, com vidas. Então, a gente tem muita responsabilidade desde a criação do regulamento a escolha das juradas, enfim, cada passo que a gente da nessa movimentação em relação a este concurso é com muito cuidado e carinho para que no final o resultado seja positivo.”

Notícia Preta: Vocês escolheram como juradas: Tainá Reis, Maíra Azevedo (Tia Má) e Luana Assis, ambas jornalistas. A escolha delas também passa pelo requisito representatividade?

Raoni Oliveira: “Primeiro, a escolha das juradas são mulheres que eu admiro, tanto a Tainá Reis como a Luana, foram as minhas colegas de trabalho. A Luana, na época em que eu trabalhava na CBN FM aqui em Salvador e a Tainá, na TV Aratu do Grupo SBT e a Maíra que é uma amiga, uma pessoa que eu quero muito bem, que eu gosto muito e admiro bastante. Enfim, são três mulheres que eu sei que o público também admira e torce muito e que o público também se enxerga, né? principalmente as mulheres. Todas elas com um discurso dentro das suas vivências, das suas bagagens, muito empoderado é representativo, então a escolha também passa pelo requisito representatividade e também pela afinidade e admiração que eu tenho por elas.”

Notícia Preta: Qual o retorno que você recebe dos jovens participantes?

Raoni Oliveira: “São dos mais variados, né. Na edição anterior, eu escutei de jovens vencedores relatos como: Raoni, você salvou a minha vida, mudou a minha vida. É um marco muito grande, postei até no meu IGTV, um garoto falando assim: “eu sou o primeiro da minha família a entrar em uma universidade”, e isso é muito forte. De fato emociona, eu chorei bastante. Os outros jovens que não venceram, foram os dez finalistas, todos os eles parabenizando. Enfim, os feedback são bem positivos. Agora, nessa edição, tenho recebido vários feedbacks, mulheres pedindo dicas de como gravar matérias; enfim, é uma ação que de fato transformar e a gente sente o poder da transformação.”

Notícia Preta: Qual a mensagem que você deixa para os jovens periféricos que sonham em ser jornalistas mas não tem meios para adentrar a universidade?

Raoni Oliveira: “É aquele clichê, que é muito clichê, mas que é muito verdade: nunca desista dos seus sonhos. Parafraseando Emicida: você é o único representante dos seus sonhos aqui na Terra. Então, se você não acreditar, ninguém vai poder acreditar, te ajudar e poder realizar os seus sonhos por você. A gente sabe que diversas barreiras vão aparecer na sua vida, adversidades vão acontecer, vai ter o preconceito, o racismo, vai ter diversos problemas onde você possivelmente não vai se achar capaz. Mas, quem está falando aqui neste momento, é um jovem que já foi de “quebrada”, que já passou pela periferia e hoje pode dizer que venceu, que superou e que ainda vai encontrar muitas barreiras ao longo da carreira profissional. Então, não desista, acredite e esteja preparado porque na hora certa e no momento certo as coisas podem acontecer. Por enquanto, vai estudando, vai vendo referências nas redes sociais, vai seguindo pessoas que você tem como referência. Hoje a gente tem internet que pode ajudar ao nosso favor, poxa ao invés de estar toda hora no grupo do WhatsApp (risos), nas páginas de fofoca, que eu também faço isso porque o entretenimento também é muito válido, mas também tenta pesquisar mais, procurar: sites, fóruns, blogs, páginas que falam sobre jornalismo, entender um pouco mais da linguagem. Ler brother. Hoje a gente tem a internet a nosso favor, como ferramenta, então usa também. Além de acreditar, também pratique, para além do clichê a gente também precisa fazer a nossa parte, então estude; use as redes sociais, use as suas referências para você estudar e estar pronto quando a oportunidade chegar.”

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