“Foi racismo, lesbofobia, foi preconceito”, denuncia jovem lésbica e negra agredida em Salvador

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A polícia militar foi chamada, atendeu a ocorrência, mas não encaminhou a vítima e agressor para a delegacia

Ainda machucada, Tiala esteve na delegacia e pretende seguir com os tramites legais. Foto: Arquivo pessoal

“Dói muito, sabia? Dói muito porque não é a primeira vez que eu sofro agressão, já é a quarta vez. É horrível e eu não sinto vontade nenhuma de viver mais aqui.” Esse relato é de Tiala Cristina Mendes dos Santos, 37 anos, baiana, negra, lésbica. A jovem foi agredida em um estabelecimento comercial no bairro de Itapuã, na orla de Salvador, por um homem que frequentava o local na noite da última terça-feira. Alguns dias depois, ainda abalada e com dores, a única justificativa que a jovem encontra para as agressões é o fato de ser uma lésbica negra.

De acordo com Tiala Cristina, tudo começou quando estava em um bar em Itapuã e ao sair se deparou com um homem branco desconhecido ofertando um brinquedo para o filho de sua companheira. Ambas recusaram que a criança aceitasse o brinquedo. Tiala foi ao banheiro, mas ouviu que o homem conversava de forma alterada, agressiva e possuía sinais de embriaguez. Pareceu não gostar da recusa.

O homem teria dito: “Mesmo que sua namorada goste ou não goste eu bato nela, bato em você e eu bate até na minha mulher.” E neste momento começo a xingar a namorada da vítima, que não terá o nome divulgado, com palavras como “p***”, segundo o relato de Tiala. Ao se aproximar para questionar o homem foi agredida, derrubada e teve sua cabeça batida contra o piso.

“Ele bateu a minha cabeça contra o chão e foi aí que minha irmã e minha namorada o tirou de cima. Na hora eu não estava gravando e quando eu ligava a câmera do celular ele começava a se defender, como se ele não tivesse me agredindo. Ele estava com os amigos no bar do lado e os amigos dele dizendo que era viadagem o que eu estava fazendo. Ele foi racista com meu sobrinho. Foi horrível”, conta Tiala.

Em meio a violência sofrida, Tiala Cristina gravou um vídeo onde pedia para o agressor repetir os nomes que a chamou e que confessasse a violência. Ferida, a jovem chamou a polícia, mas para sua surpresa os policiais não prestaram o mesmo atendimento que ofereceram ao rapaz. Segundo a vítima, o homem confessou que a ameaçou, que houve a briga e disse ser policial com arma guardada no carro.

Tiala Cristina conta que os policiais mandaram que ela se calasse e o homem foi liberado, mesmo com um nítido ferimento que ela estava na cabeça e a delegacia ser há poucos passos do local da agressão. O agressor foi liberado sem sequer ter o nome registrado para fins do Boletim de Ocorrência (BO).

“Quando chegou lá ao invés de me dar o auxílio o policial me mandou calar a boca e ainda me chamou de desgraça. Me xingando, me oprimindo e enquanto a ele o policial no cantinho com ele conversando baixo e mandando ele ir embora. Eu achei um absurdo e ele tinha falado ao policial que havia me ameaçado, tinha arma no carro dele e em nenhum momento o policial foi até o carro revistar. O policial viu meu rosto como estava todo inchado. Eu consegui gravar a placa do carro só”, explica Tiala.

Vídeo com o homem que agrediu Tiala Cristina, em Salvador

A jovem que foi agredida ainda relata que o homem foi acolhido no estabelecimento que estavam. “Eu soube que ele é parente de um dos donos do estabelecimento, e acho que ele realmente pegou a filmagem. O PM que me tratou mal, que me mandou calar a boca arrogantemente era da 1520 [viatura 9.1520] realmente. Eu lembro do policial que mandou eu calar a boca arrogantemente com xingamento”, lembra a vítima.

A jovem ainda relata que os policiais que atenderam o chamado “brincaram” com o agressor, perguntando se o mesmo estava “apanhando de mulher”. Os policiais também não revistaram o agressor e mesmo a vítima com ferimentos na cabeça, a guarnição não acompanhou os envolvidos à delegacia que fica a poucos metros do local da agressão. Entramos em contato com a assessoria da Polícia Militar que ainda não enviou resposta sobre as denúncias da vítima de agressão.

Desse jeito ficou o rosto da vítima logo após a agressão. Foto: Arquivo pessoal

Os tramites legais e de acolhimento

O BO foi registrado na 12ª Delegacia de Itapuã, Tiala Cristina fez o exame de corpo de delito para identificar as agressões e está sendo acompanhada pelo Centro de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT, ligado a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS).

Gabriel Teixeira, psicólogo e coordenador LGBT da SJDHDS, explicou a nossa reportagem que os tramites de acolhimento foram feitos para que Tiala Ctristina, que ainda se queixa de dores de cabeça, tenha acolhimento de saúde, psicológico e jurídico.

“Na madrugada de terça para quarta trouxeram a demanda e eu mantive contato com a vítima ainda na madrugada informando os contatos disponíveis de acesso ao serviço da secretaria. Repassei a situação para a Secretaria de Segurança Pública, estamos dialogando. Já estamos dialogando com a Sesab [Secretaria de Saúde da Bahia] na possibilidade de garantir uma avaliação com um profissional de saúde para que ela possa ser atendida, já está agendado um atendimento psicológico e do ponto de vista jurídico ela já foi encaminhada para a Defensoria Pública”, diz Gabriel.

Quem precisar de ajuda no estado da Bahia pode buscar o atendimento à população LGBTQIA+ através do contato 71 99931-0329, entre 9h às 17h, ou pelo e-mail: atendimento.clgbt@sjdhds.ba.gov.br.

3 Replies to ““Foi racismo, lesbofobia, foi preconceito”, denuncia jovem lésbica e negra agredida em Salvador”

  1. Leandro disse:

    O Gabriel Teixeira é fantástico, da um apoio muito humano e é

  2. Leandro Albuquerque disse:

    O Gabriel Teixeira é muito humano, sofri uma situação parecida e a condução como foi a mais humana possivel.
    espero que a Tiala se recupere fisica e psicologicamente logo!
    Força Tiala!!

  3. Daiane Oliveira disse:

    Muito importante esse retorno, Leonardo. Gostei muito de ter conversado com ele também!

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