Flip 2019: Crítica a Euclides da Cunha e ao evento chega na voz de Marilene Felinto

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Marinele Felinto

A crítica a Euclides da Cunha enfim chegou à Flip 2019, e foi pela voz de Marile Felinto. Sem meias palavras, a jornalista e escritora foi didática ao falar que descendia de sobreviventes da degola de Canudos e que por isso, não se via em ponto de intersecção com a escrita do autor de “Os Sertões” na mesa em que foi a protagonista, neste sábado.

“Euclides fez jornalismo comprometido com o exército”, disse Marilene, que aproveitou o momento de fala para fazer críticas também ao evento:

“Eu tentei com que minha mesa fosse gratuita, mas não consegui. Agradeço aos meus amigos que vieram de São Paulo para me ver, ficando em pousadas ruins e longe [do centro histórico], e também aos jovens que poderiam estar na praia e estão aqui me ouvindo”.

Na mesma fala, ela usou o termo “senzala da reportagem” para dizer que não aceitou um convite para participar de um programa de TV falando sobre as principais autoras negras na Flip porque no dia anterior o mesmo jornal falou sobre as principais autoras do evento e não citou seu nome.


Ayobámi Adébáyo (esq.) e Djamila Ribeiro (dir.) na Casa Tag

Literatura e Ancestralidade

Duas escritoras que estiveram em mesas oficiais da feira passaram o dia circulando pelas casas presentes na programação paralela. A nigeriana Ayobámi Adébáyo, por exemplo, esteve presente em duas casas: na primeira, Casa Libre, ela falou sobre a ficção e não ficção e também sobre seu processo de escrita; na segunda, dividida com Djamila Ribeiro, ela conversou sobre ancestralidade e se aprofundou sobre como acontece seu processo de escrita, na Casa Tag.

Foi interessante ouvir dela que, sim, engravidar é uma questão para as mulheres da Nigéria, país que até a década de 1980 permitia a poligamia, que há uma pressão muito grande em torno disso, por isso essa questão aparece em muitos livros de mulheres nigerianas. Outro ponto, é que explicou que, diferente do Brasil e de outros países do continente africano, na Nigéria os negros formam a maioria populacional e também a maioria no poder econômico e político. Por isso questão de classe não aparecem tanto como um ponto crucial nas estórias, diferente do que acontece com a questão de gênero.

Djamila Ribeiro aproveitou o espaço para reforçar opiniões já conhecidas, mas que precisam ser lembradas sistematicamente, ainda mais porque a conversa foi para uma maioria branca que estava na plateia.

“O privilégio social geral um privilégio epistêmico. E não tem como falar de classe sem falar de raça, tem uma ala progressista que ainda não entendeu isso”, explicou a filósofa, que em outro momento reforçou: “Não falar de maneira interseccional [gênero, raça e classe] é privilegiar a voz de um grupo”.

Grada Kilomba (esq.) e Conceição Evaristo (dir.) na Casa Poéticas Negras

Anastácia e Colonialismo

O terceiro dia de cobertura do Notícia Preta terminou com o encontro de Grada Kilomba e Conceição Evaristo na Casa Poéticas Negras, numa mesa sobre Anastácia. E que encontro lindo! O local, que era dividido entre livraria, restaurante, bar, lojas de roupas e um pequeno espaço reservado onde aconteciam os debates foi totalmente transformado para recebê-las. As pessoas ficaram duas horas na fila para ficar mais perto delas, quem não conseguiu um espaço mais confortável, se organizou em janelas, corredores e até do lado de fora, já que a organização se movimentou para colocar um telão na rua. O frio do cair da noite não afastou ninguém do calor das palavras das duas mulheres.

O início da conversa foi de uma delicadeza emocionante. Conceição Evaristo, que no dia anterior estava na primeira fila da Grada Kilomba na programação principal, agradeceu a angolana pela força de sua escrita. Reiterou que muitas mulheres intelectuais brasileiras morreram sem ter sua obra e sua sabedoria devidamente reconhecidas.

“Talvez você não saiba, mas a sua escrita, de alguma forma, retoma essas mulheres que pensavam e escreviam em português. Muito obrigada por isso”.

Emocionada com a declaração surpresa, Kilomba retribuiu a gentileza ao agradecer por todo o trabalho feito por elas antes, especialmente Evaristo, para que ela pudesse existir como intelectual. E confessou que de todos os compromissos marcados para a Flip, aquele foi o mais esperado.

Anastácia

Sobre Anastácia, escravizada que é uma personalidade religiosa de devoção popular brasileira, cultuada informalmente pela realização de milagres, Conceição Evaristo fala que ela nasce num momento em que o negro precisa se colocar na narrativa que está sendo construída durante a colonização. Isso porque, os negros e indígenas foram tirados da construção da identidade nacional brasileira.

Kilomba se aprofundou na fala sobre colonialismo, que apresentou também na mesa da programação principal da Flip. Para ela, é preciso estar atento e forte, porque o projeto de colonização ainda não acabou.

“A escravização do corpo negro foi um processo global de colonização, que aplacou também o continente africano. O que vivemos hoje ainda é consequência de um projeto colonial. Não tem como falar que estamos vivendo um pós-colonialismo. Nós ainda não entendemos o que foi a colonização. Não é possível falar do fim de um projeto de quinhentos anos”.

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