Falha de requisito

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Por: Jéssica Silva de Oliveira
Advogada Civilista

Existem algumas profissões que, em razão da natureza da atividade exercida, é imprescindível o cumprimento de alguns requisitos, como a comprovação de um determinado grau de escolaridade, ter uma estatura mínima ou possuir carteira nacional de habilitação, por exemplo. Esse tipo de exigência pode haver tanto para profissionais atuantes na esfera privada quanto na esfera pública. 

Na esfera privada, um exemplo disso é o exercício da advocacia, onde se exige, dentre outros requisitos, que o profissional possua idoneidade moral, que, de maneira bem resumida, significa a inexistência de comportamentos que causem desonra ou desprestígio à atividade profissional pretendida. 

Prova disso é a Súmula no 09/2019/COP, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que configura a prática de violência contra a mulher como “fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel em Direito nos quadros da OAB”, sendo tal conduta inequivocamente contrária ao requisito da idoneidade moral, que deve estar presente, não somente no momento da inscrição, mas também ao longo do exercício da atividade. 

É importante entendermos que, ser uma pessoa moralmente idônea, de modo geral, é o que se espera de qualquer profissional, mas em algumas profissões é um requisito que, uma vez não considerado como imprescindível, pode custar a vida de muitas pessoas. 

Na esfera pública, um exemplo disso é o exercício da atividade de policial militar, onde também é exigido que o profissional possua idoneidade moral. Contudo, a Polícia Militar do Rio parece não entender muito bem esse conceito, já que, recentemente, entendeu que um policial acusado do homicídio de uma mulher negra, arrastada por 350 metros, em plena luz do dia, está apto tanto para atuar na área correcional da corporação, investigando mortes cometidas por outros policiais militares em operações, quanto para integrar o Conselho Especial na Justiça Militar. 

Somente em uma sociedade distópica como a nossa é possível conceber que, um agente público acusado de cometer um crime bárbaro como esse, seja moralmente idôneo para desempenhar qualquer função vinculada à Polícia Militar. É como canta os Racionais: “Recebe o mérito, a farda que pratica o mal. Me ver pobre, preso ou morto já é cultural”. 

Não é à toa que, segundo a pesquisa “Periferia, racismo e violência”, do Datafavela, parceria da Central Única das Favelas (CUFA) com o Instituto Locomotiva, 56% das pessoas negras (pretos e pardos) afirmaram já ter sentido medo de interagir com policiais em situações cotidianas e 54% das pessoas negras se identificarem com a frase “a polícia é perigosa para pessoas como eu”. 

Dentre outros dados que a pesquisa revelou, um dos que mais chama a atenção, é o percentual de entrevistados que acreditam que a polícia NÃO é racista: apenas 5%. Tal dado só demonstra como saltam aos olhos a atuação policial direcionada à população negra, principalmente a periférica, atuação esta respaldada por uma corporação que ignora a ausência de características imprescindíveis em seus agentes, como a idoneidade moral, no exercício da atividade, mesmo que isso implique no genocídio da população negra. 

O algoz que mata é o mesmo que julga seus pares acusados de crimes semelhantes, formando uma engrenagem perfeita na política do extermínio daqueles que ousaram preencher os requisitos de serem pretos, pobres e periféricos.

Jéssica Silva de Oliveira – Advogada
Contato: https://linktr.ee/silvadeoliveira.adv

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