Domésticas: culpadas, contaminadas e escravizadas na pandemia

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Por: Jorge Santana – historiador, pesquisador, documentarista e doutorando em Ciências Sociais

Desde o início da pandemia de covid-19 que inúmeras pesquisas apontam a faixa de renda e cor da a maioria das vítimas. São negros, pobres e periféricos (Imagina dor, adivinhe a cor) aquele que morrem aos milhões, devido ao corona vírus. Contudo, o que não esperávamos é que os pobres e negros também fossem os culpados pela disseminação do vírus. O marido da famosa cantora Ivete Sangalo colocou a culpa em sua empregada doméstica pela  contaminação da sua família.

Não foi só ele, o prefeito da capital mineira, o senhor Alexandre Kalil (PSD) , o transporte público lotado não dissemina o vírus. Segundo ele são as faxineiras, arrumadeiras e empregadas domésticas as culpadas pela expansão do vírus, em Belo Horizonte. Atribuindo àquelas que nunca tiveram a possibilidade de fazer o isolamento social em prol do conforto dos seus patrões.

Na Roma antiga, o termo utilizado para designar escravo era “famulus”. Especificamente, esse termo era utilizado para o escravo responsável por servir a casa, ou seja, o escravo doméstico. O termo família que hoje tem um significado diferente, porém tem origem de famulus (escravo doméstico). No Brasil, temos o tratamento da empregada doméstica “da família”, para empregadas consideras “querida” pelos patrões. Contudo, a primeira a ser culpada quando o vírus chega na casa dos seus  patrões.

Para além das já citadas acusações das empregadas como disseminadoras de vírus, a pandemia revelou também casos de domésticas aprisionadas. Uma reportagem do portal UOL revelou em Salvador casos de  patrões que não permitiam o retorno dessas mulheres as suas casas para elas quando retornassem ao trabalho pudessem infectar seus patrões. Coagidas, as mulheres aceitavam essa situação deplorável, algumas ficaram até um ano sem retornar aos seus lares.  

Outros casos também revelados em 2020 revelaram mulheres escravizadas como domésticas que passaram anos aprisionadas e trabalhando de graça para os seus patrões. Quanto mais cavamos, mais descobrimos que os 130 anos desde o fim da escravidão no Brasil são insuficientes para abolir a prática e a lógica escravocrata da elite tupiniquim.  Dados de 2017 apontam que 80% das empregadas domésticas são negras. O resquício da escravidão permanece, na Guerra do Paraguai (1865-1870), os proprietários de escravizados cediam seus escravos para não enviarem seus filhos a guerra. Em 2021, os patrões expõem suas empregadas ao cárcere ou ao vírus no transporte público lotado. Tanto na guerra como na pandemia são os serviçais que morrem, todos eles eram e são negros.

Por: Jorge Santana – historiador, pesquisador, documentarista e doutorando em Ciências Sociais

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