“Destacamento Blood”, novo filme de Spike Lee na Netflix, é ácido, dramático e atual

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O que pode acontecer quando quatro veteranos da guerra americana contra o Vietnã retornam ao país asiático em busca dos restos mortais do seu herói mítico e de um baú enterrado cheio de barras de ouro? Se a história for dirigida por Spike Lee, maior cronista racial de Hollywood, certamente será um filme com metalinguagem, ironia, drama, boa trilha sonora e muita crítica ao racismo. Estes sãos os elementos principais de “Destacamento Blood” ou “Da 5 Bloods” (título original), novo longa de Lee, que estreou na última sexta-feira (12), na Netflix.

Após 45 anos do final da Guerra do Vietnã, o filme aborda a participação dos soldados negros neste conflito e chega oportunamente em meio aos protestos do movimento Black Lives Matter, reinflamados pela recente e brutal morte de George Floyd por um policial branco. Este projeto é o mais ambicioso de Spike Lee desde “Malcolm X” (1992), e contou com um orçamento de 40 milhões de dólares, um dos maiores de sua carreira. No ano passado, Lee ganhou o Oscar de melhor roteiro adaptado por “Infiltrado na Klan” – e parece que ele veio para brigar por outra estatueta.

Em “Destacamento Blood”, o diretor implementa seu estilo grandiloquente e abusa da metalinguagem, que é quando se usa referências de outros filmes na construção da narrativa, como na cena irônica do início do filme que cita abertamente “Apocalipse now”. Ele também pavimenta a história sobre a Guerra do Vietnã com arquivos da época e recupera as críticas ao conflito feitas por Muhammad Ali, Martin Luther King e Langston Hughes. 

A história dos 4 veteranos que voltam ao lugar onde travaram batalhas em nome de seu país, é bastante interessante. Tem um tom de aventura e suspense e usa recursos estéticos ao melhor estilo Lee. As atuações são corretas, mesmo quando os diálogos são longos. Vale conferir o monólogo do personagem Paul (Delroy Lindo), olhando diretamente para a câmera, uma performance digna de Oscar. Perturbado, dilacerado e eleitor confesso de Trump, ele é a encarnação da comunidade negra sem esperança, alvo fácil para promessas de ex-apresentadores de Reality shows. 

Mas o grande trunfo de “Destacamento Blood” é sua relação com as revoltas antirracistas atuais, que conferem a Spike Lee um incrível senso de oportunidade. Num dos diálogos mais interessantes, enquanto os Bloods questionam o fato de tantos negros terem sido enviados à guerra para morrer, o personagem Stormin’ Norman, interpretado pelo Pantera Negra Chadwick Boseman, diz: “Toda vez que saio pela porta da frente, vejo policiais patrulhando meu bairro como se fosse algum tipo de estado policial. Eu posso sentir o quanto eu não valho”. 

Lee consegue situar uma história particular num contexto mais amplo, questionando o racismo estrutural e criticando acidamente o presidente Donald Trump. Sua montagem liga, com precisão, os absurdos da guerra do Vietnã com a tragédia racial dos EUA atuais.  É certo que por vezes o roteiro beira o inverossímil, mas isso não prejudica a obra, ao contrário, é uma assinatura cinematográfica de Spike Lee, que mais uma vez acerta ao nos dar uma boa dose de diversão, política e acidez.

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