Coletivo de artistas negras é impedido de estrear peça na Câmara dos Vereadores do Rio

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Equipe e público da peça Encruzilhadas Feminina na entrada da Câmara. Reprodução Instagram

Seria uma noite de estreia, mas acabou em tristeza e frustração. A peça “Encruzilhada Feminina” foi impedida de ser apresentada na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, na noite do último dia 29. O espetáculo, todo produzido por mulheres negras, seria uma das atrações da semana da consciência negra na Câmara. Mas, faltando 40 minutos para o horário previsto, elas foram comunicadas de que não haveria apresentação.

Equipe e público da peça Encruzilhadas Feminina na entrada da Câmara. Reprodução Instagram

“Recebemos a informação de que a peça não poderia acontecer porque não estava combinado. Mas a apresentação estava agendada desde fevereiro. Não deixaram que realizássemos no hall porque teria outro evento que contemplaria uma homenagem ao governador eleito. A opção era fazer na escadaria, mas seria preciso tempo para fazer essa dinâmica. Além disso, chegariam pessoas ligadas ao governador eleito, o que, para nós, se tornaria perigoso. Dividir espaço com pessoas com discurso de ódio seria perigoso”, ressalta Cynthia Rachel Esperança, escritora, diretora e produtora da peça.

Cynthia aceitou em fevereiro o convite da equipe do vereador Leonel Brizola (PSOL) para compor uma atividade dentro da semana de consciência negra da Câmara. Ela conta que a ideia do espetáculo surgiu há dois anos, durante uma conversa com o amigo e ator Leno Sacramento, do Bando de Teatro Olodum — companhia teatral formada por atores e atrizes negros de Salvador, na Bahia. Leno escreveu e atuou no monólogo ‘En(Cruz)Ilhada’, que estreou ano passado e aborda temas relacionados à população negra. Cynthia quis falar sobre a mulher negra. Daí, a peça “Encruzilhada Feminina”.

“A visão de Leno era sobre o homem negro na sociedade. A minha visão é da mulher negra. Esse espetáculo se propõe a debater muitas questões. São sete atos que falam de coisas ainda pendentes de resolução na sociedade. Para nós, seria muito interessante apresentar na Câmara porque é um espetáculo muito político”, explica Cynthia.

A peça aborda diferentes situações vividas pela mulher negra ao longo da vida e os desafios que ela enfrenta, como intolerância religiosa, lesbocídio, assédio, maternidade, sua atuação na política, seu ingresso na universidade. Durante a produção do espetáculo, o coletivo, que também se chama Encruzilhada Feminina,  recebeu outros convites, mas optou por fazer a estreia na Câmara dos Vereadores.

A data inicial da apresentação seria 30 de novembro, mas acabou sendo alterada para 29, às 18h30. O coletivo chegou três horas e meia antes da hora prevista. Menos de uma hora para a estreia da peça, a confirmação: não haveria espetáculo. Em protesto, parte do público que ainda aguardava por uma decisão se reuniu às produtoras do lado de fora da Casa Legislativa. Cynthia faz uma avaliação do que ocorreu: “Foi um dia tumultuado e triste. Acho, sinceramente, que foi uma afirmação de “quem é que está no poder”. Foi um recado para toda as pessoas que pautam questões que a esquerda tem levantado. Não foi só um fechar de portas da Câmara. Mexeu com nossa dinâmica de coletivo, com nossa organização interna. Os ânimos estão exaltados”.

Além de Cynthia, compõem o coletivo ‘Encruzilhada Feminina’ a diretora Helyane Silsan e a atriz Rachel Barros. No Instagram da peça, Rachel disse que o coletivo protelou a estreia: “Tivemos outras oportunidades. Mas a gente queria apresentar aqui”.  Helyane também lamentou o ocorrido: “Me sinto apunhalada pelas costas. Eu estou operada, cheia de pontos, mas compareci para fazer nosso trabalho. Essa situação não é nada justa. Estou indignada por mim, pelos nossos”.

Além de Cynthia, Rachel e Helyane, a peça conta com a parceria da figurinista Luceni de Oliveira,  e dos sonoplastas Cristine Ariel e Bruno Donato.

A assessoria de imprensa do vereador Leonel Brizola (PSOL) informou que o gabinete marcou o evento em fevereiro e tinha o fato como certo. Porém, quando a data se aproximou, solicitou o apoio de som e só aí a secretaria da casa se deu conta de que seria uma encenação teatral e, segundo eles, o hall de entrada não poderia ser usado para este fim. A assessoria disse ainda que o vereador Leonel Brizola se empenhou muito para que fosse aberta uma exceção, uma vez que o evento marcaria a Semana de Consciência Negra, mas não obteve autorização. A nota diz que, desde o primeiro mandato, iniciado em 2009, o gabinete do vereador Leonel Brizola promoveu eventos para marcar a semana de Consciência Negra, e que foi a primeira vez que não conseguiram fazer um evento.

O Notícia Preta pediu à Câmara de Vereadores um esclarecimento sobre o fato, mas ainda não obteve resposta.

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