Brasil pode regredir duas décadas na educação e população negra é a mais afetada, afirma Unicef

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Apesar do acesso à educação ter aumentado gradativamente no Brasil entre 2016 e 2019, segundo dados do (IBGE), o surto de coronavírus interrompeu esse avanço

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População negra é a mais afetada pela pandemia – Foto: Nappy.co

Publicado recentemente, o “Cenário da Exclusão Escolar no Brasil”, levantamento produzido pela parceria entre a Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) juntamente com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), mostram informações do panorama da exclusão escolar antes e durante a pandemia e os números mostram que o país pode regredir duas décadas na educação e os mais afetados são as populações negra e rural, também os meninos e povos originários.

Mais de 5 milhões de estudantes, com idade de 6 a 17 anos, não tiveram acesso às aulas no país em novembro de 2020. O percentual de pessoas desta faixa etária com ensino básico incompleto, segundo condição de abandono escolar durante a pandemia, é 40% composto por crianças de 6 a 10 anos, adolescentes de 15 a 17 anos são 32,2%, seguidos por adolescentes de 11 a 14 anos, com 27,8%.

Professores e adversidades na docência remota 

Para Iago Gomes (28), graduado em Letras e atuante na rede básica estadual pública durante 2021, a experiência de lecionar durante o período pandêmico tem sido difícil por uma série de obstáculos que vão desde a ausência de condições estruturais de alunos e alunas cursarem, quanto a ausência de apoio e condições dignas de trabalho. Ele conta que sente como se toda a responsabilidade por parte do ensino aprendizagem fosse direcionada somente aos professores, esquecendo todos os demais atores responsáveis pelo processo. 

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Professor Iago Gomes Foto: Roger Marx

Iago também ressalta que, por operar em escolas públicas, a maioria dos mais impactados são negros. “Não tem como desconsiderar o fator racial. Maior parte moradora do campo, do espaço rural. E no que tange a perspectiva de gênero, se atinge meninos de uma forma diferente de meninas, o papel social remetido é de que se as contas de casa apertam, os meninos precisam ajudar o pai nos serviços deles, ou fazer ‘bicos’, trabalhos informais. Já as meninas, ainda são direcionados os trabalhos domésticos, então, apesar de não terem que sair de casa, muitas assistem por exemplo aulas enquanto limpam a casa, isso prejudica também a atenção, o foco. Acho que, no geral, o fator racial e de classe (casados) pesam muito” declarou o docente sobre os impactos na população negra.

A Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Estado de Santa Catarina (FETEESC), por meio do Instituto de Pesquisas e Estudos dos Trabalhadores, realizou a pesquisa em 2020 sobre as condições de trabalho dos profissionais da educação durante a pandemia de coronavírus. O resultado revela que 52,4% não receberam dos empregadores materiais próprios para o serviço. Outras adversidades no home office estão na instabilidade da internet, representada em 32,1% das respostas, já a ausência de ambiente adequado para o emprego corresponde a 27,3%, e 35,2% dos participantes afirmaram que o maior desafio é o acúmulo das atividades domésticas e profissionais.  

Para o professor, nada substitui o ensino presencial. No entanto, Iago considera que nas condições existentes o ensino remoto é a melhor e deveria ser a única opção. “Com apoio do Estado na distribuição de tecnologias para estudantes e professores, na garantia de alimentos, de rede de energia elétrica, de condições de subsistência para que os impactos da desigualdade fossem repercutidos no ensino-aprendizagem”, completou. 

A pesquisa “Alfabetização em Rede”, que avalia o ensino remoto na alfabetização durante a pandemia, mostra que 44,6% dos docentes entendem as aulas remotas como uma boa solução, apesar de não atingem os objetivos escolares, em modo geral. A taxa de professores que declararam que a modalidade não atinge os intuitos é de 17%. 

Regionalização e gênero

No quesito gênero, os dados apontam que a maior exclusão escolar é a de meninos e que cresce com o avanço da idade. O quadro geral indica que garotos são 50,2%, e as meninas 49,8%. A diferença aumenta em 9,8% na faixa etária de 6 a 14 anos, tendo o gênero masculino em 54,9% dos afetados e meninas em 45,1%. 

O recorte racial exibido na pesquisa revela que indígenas e negros (pretos e pardos) são a maioria das crianças e adolescentes longe da sala de aula. Os pretos e pardos afastados das salas de aula somam 35,2%, e os povos originários também obtêm preocupante percentual, 34,1%. Já os brancos formam 9,5%, a amarelos 7,3%. 

Crianças e adolescentes que vivem em áreas rurais são as mais atingidas, formando 53,3% dos abandonos escolares durante o ano de 2020. Os adolescentes com idade 15 a 17 anos e residentes de zonas rurais da região Norte são impactados em 40%, maior taxa calculada pelo estudo, em contramão da população da mesma faixa etária do Sul, que totalizam 4,1%. 

Na região Norte, a porcentagem de estudantes afastados é de 28,4%, seguido pelo Nordeste com 18,3%, e Sudeste que tem 10,3%. Em quarto lugar, está a região Centro-Oeste apresentando exclusão colegial em 8,5% dos discentes, enquanto o Sul tem 5,1%. 

Alunos e obstáculos na educação virtual 

Amanda Késia Jesus (14), atualmente é aluna do 8º e 9º ano do ensino fundamental II, na rede pública e teve aulas durante 2020, até o dia 18 de março. As atividades, que retornaram somente neste ano, ocorrem em método assíncrono e Amanda se queixa da necessidade de dividir o único aparelho com acesso à internet com o irmão, que também estuda a distância.

O levantamento do Instituto DataSenado exibe a diferença entre a educação na rede pública e privada no acesso dos alunos à internet no último ano. Em 26% das casas onde há estudantes de escolas públicas não há internet. Mas, na rede privada, a taxa cai para apenas 4%. Os resultados também indicam que os equipamentos mais usados para as atividades são: celular em 64% e computador em 24%. 

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Amanda Jéssica Foto: Arquivo Pessoal

Aluno do 3º ano do ensino fundamental I na rede privada, Gabriel Ribeiro, 9, precisou sair da escola por um ano em razões de dificuldades financeiras enfrentadas pela família. Agora em 2021, ele passou a estudar em modalidade virtual, mas alega ter dificuldades para acompanhar sozinho as aulas.

Karine Santos, mãe do Gabriel, contou que surgiram diversas dificuldades para que o filho continuasse estudando. “Foi difícil por questões financeiras, a incerteza de trabalho, além de não conseguir acompanhar a distância por não ter computador, na época só tinha meu celular, então, por essas razões ele saiu da escola no ano passado. Agora, ele retomou com um tablet”, informou. A mãe também destacou mais problemas como a conexão com a internet, a dificuldade do discente em ler e escrever após quase doze meses em inatividade acadêmica, e alguém que o acompanhasse durante as aulas.  

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Karine Santos Foto: Acervo pessoal

O estudo “Cenário da Infância e da Adolescência 2021”, da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, mostra que a população negra é a mais afetada, o número de negros que sofrem pela escassez de atividades escolares em 2020 é duas vezes maior que a de brancos. A população negra foi abalada em 15,5%, à medida que brancos foram atingidos em 7,2%. 

Leia também: Desigualdade na educação: “O processo educacional no Brasil é desumanizador”, diz Aza Njeri

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