Booker Washington: o ex-escravo da cara branca e defensor da meritocracia

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por Ricardo Corrêa
 especialista em Educação Superior

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Booker Washington foi uma notável liderança afro-americana que alcançou posição de destaque na história da formação do pensamento da população negra dos Estados Unidos, a sua biografia torna-se mais interessante por ter nascido escravo e conquistado a admiração de muitas figuras influentes daquela sociedade, assumidamente, racista. Era uma época que os brancos sulistas recolhiam os rastros de destruição econômica deixados pela Guerra Civil Americana e debatiam como prosseguir com a economia sem a mão de obra escrava na qual eram tão dependentes. Por outro lado, os ex-escravizados enfrentavam o seguinte dilema: render-se às condições aviltantes nas fazendas ou seguirem a vida sem qualquer amparo social. Booker Washington surgiu nessa atmosfera de incertezas, defendendo o ensino técnico à população negra, abandonada e sem horizontes.

Booker Taliaferro Washington nasceu no condado de Franklin, estado da Virgínia, em 05 de abril de 1856. Morava com a mãe e irmãos numa fazenda onde eram escravizados e, após o término da Guerra Civil Americana, mudou com a família para o município de Charleston. Lá, trabalhou em fábricas de sal e minas de carvão. Durante esse período despertou interesse pela educação, acreditando que ao aprender a ler e escrever conseguiria trabalhos menos penosos quando comparados aos que estava desempenhando. Em 1872, ingressou no Instituto Hampton. No entanto, a escola mantinha um sistema de pensionato e os custos eram arcados pelos próprios estudantes. Mas, diferente dos outros jovens, Washington não tinha auxílio financeiro da família. Coincidentemente, quando suas economias estavam ruindo, surgiu um emprego na mesma escola, possibilitando custear a moradia e garantir a continuidade dos estudos até a formatura, meados de 1875. Samuel C. Armstrong – general e fundador de Hampton – confiante na competência de Washington, o convidou para abrir uma escola para negros no Alabama, em 1881. O convite foi aceito e o Instituto Tuskegee iniciou as atividades nesse mesmo ano. No início a estrutura era precária e faltavam recursos financeiros para as melhorias necessárias; as primeiras aulas aconteceram num espaço cedido pela igreja. Uma das grandes sacadas de Washington esteve em aproveitar as próprias aulas para a produção de tijolos; estes seriam utilizados na construção das salas e, outra parte, comercializada na comunidade. Os alunos, nesse contexto, aprendiam a profissão e ajudavam no desenvolvimento do instituto. Na escola havia, também, aulas de carpintaria, estamparia, funilaria, ensino de agricultura, laticínios, costura e cozinha.

Conforme Tuskegee ia ficando conhecida pelo projeto exitoso, a procura por vagas aumentava e a necessidade de ampliar as estruturas tornava-se urgente para o acolhimento de mais alunos. Mais uma vez, Washington projetou outro modo para continuar angariando fundos:viajar pelo país ministrando palestras e participando de conferências. Estas atividades seriam a porta de entrada para atrair filantropos e receber doações para o instituto. Com efeito. Possuidor de oratória invejável, os pronunciamentos em público eram bem recebidos pelas palavras conciliadoras e agradáveis direcionadas aos brancos e negros.

Em todas as coisas puramente sociais, podemos ser tão separados quanto os cinco dedos e, no entanto, podemos ser um, como a mão, em todas as coisas essenciais ao progresso mútuo”

O sucesso do Instituto Tuskegee colocou Washington na lista dos homens mais admirados dos Estados Unidos, proporcionando acesso aos espaços frequentados, exclusivamente, por brancos. O ex-presidente Theodore Roosevelt chegou – até – a convidá-lo para jantar na Casa Branca. O contato com os presidentes dos EUA tornou-se algo comum na vida do educador negro. Em 1896, a Havard University lhe concedeu o título de Mestre em Artes, e a Dartmouth College, doutorado honorário, em 1901. Apesar de todo reconhecimento, Washington colecionou desaprovações. W.E.B. Du Bois, autor do clássico “As Almas do Povo Negro” (1903) foi o crítico mais contundente. Este autor contestava a ausência de posicionamentos na exigência dos direitos civis para os negros, a submissão e aceitação da condição de inferioridade, condenava a rejeição pela educação superior e criticava o silêncio aos constantes linchamentos tão comuns na época.

O sr. Washington representa, no pensamento negro, a velha atitude de acomodamento e submissão: mas, acomodação num dado momento, de forma a consolidar seu programa como único (…) E o programa do sr. Washington, praticamente, aceita a teoria da inferioridade racial do negro.” (p. 76)

Ainda que Washington tenha contribuído significativamente para os afro-americanos, formando uma especializada mão de obra técnica e elevando a autoestima do grupo, reconhecemos o quão pecou em não avançar radicalmente na questão negra. Sob nosso ponto de vista, concordamos com Du Bois, e acrescentamos que o educador encarnava o espírito da meritocracia─ debate contemporâneo a nossa época. Na autobiografia Up from Slavery (1901) é corrente as passagens que abordam o mérito como algo pertinente a vida humana.

Esta visão de mundo colocava nas costas dos afro-americanos toda responsabilidade em superar as mazelas consequentes dos anos de escravidão ─ uma vez que ignora as diferentes vivências de cada individuo ─, isentando todos que se beneficiaram: brancos americanos. Mesmo após o falecimento de Washington, em 14 de novembro de 1913, o seu legado continua inspirando muitos negros. Entretanto, reconhecemos que a situação dos afro-americanos não está melhor do que naquela época. Em pleno século 21, os direitos políticos dessa população apresentam fragilidades e a cidadania continua incompleta. Outrora, a ativista dos direitos civis, Rosa Parks (1913-2005), pontuou que os negros são vistos como “cidadãos de segunda classe”. Sem dúvida.




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