Autora da série sobre Marielle se desculpa após declaração racista sobre cineastas negros brasileiros “errar é humano”

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Antônia Pellegrino Foto: Matheus Cabral/Divulgação TV Globo

A roteirista Antônia Pellegrino classificou como ‘desastrosa’ a declaração que fez para tentar ‘justificar’ a escolha de José Padilha na direção de série e documentário sobre Marielle Franco e a falta de cineastas negros na produção.

Antônia publicou em suas redes sociais, na noite desta quarta-feira (11), uma carta onde pede perdão por suas declarações: “Mesmo pessoas comprometidas com a desconstrução do machismo e do racismo estão sujeitas ao erro, e errar é humano”. E destacou seu lugar de branca privilegiada: “E foi apenas com o exercício da escuta que pude perceber que, do alto da minha arrogância e ignorância de mulher branca, da Zona Sul do Rio, que eu não precisava “denunciar” algo que todas e todos já sabiam”.

Em entrevista concedida ao jornalista Maurício Stycer, do Uol, Pellegrino disse ter conversado com muita gente no mercado antes de se decidir por Padilha, que até pensou em ter um diretor negro mas não achou alguém com as características que procurava. ‘Se tivesse um Spike Lee, uma Ava DuVernay…”.

Após as declarações que desconsideram completamente os cineastas negros brasileiros, diversos profissionais negros do audiovisual divulgaram um manifesto, criticando tanto a ausência de pessoas negras na direção do projeto, uma vez que seria uma contradição à própria luta de Marielle em vida, como a escolha de José Padilha: “o homem que deu e dá ferramentas simbólicas para a construção do fascismo e genocídio da juventude negra no país”.

Confira na íntegra a carta que Antonia Pellegrino publicou em suas redes sociais

Quero começar pedindo perdão pela minha declaração. Mesmo pessoas comprometidas com a desconstrução do machismo e do racismo estão sujeitas ao erro, e errar é humano. Confesso que diante da enorme e justa repercussão e indignação que minha declaração tomou, caí em negação. Num primeiro momento, achei que estava sendo mal interpretada. Para mim, Antonia, era tão óbvio que eu me referia às relações de negócios viciadas pelo racismo estrutural que não consegui enxergar o que era realmente óbvio: tentei justificar uma relação estratégica de trabalho com um discurso que não apenas reforçava a tal estrutura que eu criticava, como era também a sua principal causa.

Então começou a pedagogia da escuta e da leitura. De forma enfática, vieram comentários, textos e opiniões de diversas pessoas, militantes ou não, amigas e amigos, pessoas que admiro e respeito e outras que nem sequer conhecia.

Como para muitos brasileiros, os últimos anos provocaram em mim um intenso processo de politização e formação crítica. Foi nesse período que o ativismo se tornou um componente fundamental da minha vida – em particular aquele relacionado à luta feminista. E dentro do feminismo aprendemos a ouvir, pois já vivemos num mundo onde somos constantemente silenciadas. Como mulher, feminista branca, sempre busquei ouvir mulheres feministas negras, com as quais sempre aprendi muito e ainda tenho muitíssimo a aprender.

E foi apenas com o exercício da escuta que pude perceber que, do alto da minha arrogância e ignorância de mulher branca, da Zona Sul do Rio, que eu não precisava “denunciar” algo que todas e todos já sabiam.

Após o choque inicial, veio a decepção. A decepção comigo mesma. Como eu pude dizer uma frase tão estúpida? Hoje, vejo que a resposta é simples: como muitas pessoas brancas progressistas e antirracistas, tive a certeza de que minhas intenções eram tão boas que jamais seriam questionadas neste âmbito.

Novamente, peço perdão pela desastrosa declaração. Em seguida, gostaria de agradecer a todas as pessoas negras, do cinema ou não, coletivos, blogs, movimentos e sites que apontaram meu erro e me fizeram enxergar o que a branquitude não o fez. Também aproveito para dizer que em nenhum momento me senti atacada, pelo contrário. As críticas, por mais pesadas que fossem, tinham um tom respeitoso; não senti raiva, senti vergonha; não me vi perdida, enxerguei nas críticas um caminho.

Este é um projeto que, desde o primeiro momento, é fundamentalmente comprometido com a luta por justiça por Marielle Franco. São dois anos sem resposta para a pergunta: quem mandou matar Marielle? E contar sua saga, na atual conjuntura, dando máxima visibilidade à história desta heroína brasileira e à sua execução brutal é uma forma de manter o apelo social do caso. Entendo e respeito quem discorde, mas este foi meu compromisso com a família de Marielle.

Como produtora executiva e idealizadora da série de Marielle gostaria de reiterar que nossa intenção sempre foi ter uma equipe diversa, com negros e mulheres na liderança do processo criativo.

Os convites para essas lideranças, mapeadas muito antes da assinatura do contrato, estão em curso: autoras, autores, diretoras e diretores estão discutindo as condições de sua participação no projeto. Esperamos ter sucesso na composição de um time diverso, inclusivo e altamente qualificado.

Tenho gratidão por tudo o que aconteceu nos últimos dias. E estou feliz por poder cumprir com a minha obrigação cidadã de levar a história de Marielle ainda mais longe, sendo mais coerente com aquilo que acredito e defendo.

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