Após 40 anos, AIDS atinge desproporcionalmente população negra nos EUA

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Fonte: AFP

Dedra Spears Johnson era assistente social em um subúrbio da capital americana, Washington, no auge da epidemia de HIV na década de 1990, quando concluiu que as necessidades de saúde das mulheres negras não estavam sendo atendidas.

Pouco antes, medicamentos altamente eficazes haviam sido aprovados contra a aids, mas as pessoas ao seu redor enfrentavam barreiras econômicas e tabus culturais que as impediam de acessá-los.

“Tinham vergonha de ter esta doença suja”, disse à AFP Spears Johnson, que em 1999 co-fundou um grupo sem fins lucrativos chamado Heart to Hand Inc, para expandir o acesso a exames, tratamentos e educação.

“Em nossa comunidade não falamos sobre sexo”, aponta.

Quarenta anos depois que cientistas americanos documentaram os primeiros casos do que mais tarde seria identificado como o vírus HIV, os medicamentos reduziram as taxas de infecção, mas as disparidades raciais são agora mais fortes do que nunca.

Os afro-americanos passaram de 29% das novas infecções em 1981 para 41% em 2019, apesar de serem apenas 13% dos americanos, de acordo com um novo relatório do governo.

Parte do problema decorre da natureza fragmentada do sistema de saúde do país.

Dezenas de milhões de pessoas não têm seguro, dependem de um seguro estatal para pessoas de baixa renda ou dispõem de um insuficiente.

Dedra Spears Johnson, diretora e cofundadora do Heart to Hand Inc. – AFP

–“Sentença de morte”

Em 5 de junho de 1981, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos publicaram um relatório que dava conta de uma rara doença pulmonar sofrida por cinco jovens homossexuais brancos.

No momento da publicação do relatório, dois deles já estavam mortos e os outros três faleceriam logo em seguida. Era o início da crise da aids.

Atualmente, estima-se que 1,2 milhão de americanos vivem com HIV.

“Quando comecei a atender pacientes infectados pelo HIV, para a maioria deles era uma sentença de morte”, contou à AFP o professor de medicina da Universidade Johns Hopkins Charles Flexner, que era estudante de medicina na época.

A epidemia atingiu o pico em meados da década de 1980, e em 1987 a Food and Drug Administration (FDA) aprovou o primeiro medicamento antirretroviral, a azidotimidina (AZT).

No entanto, sua toxicidade e propensão a causar anemia foram excessivas para alguns pacientes, principalmente aqueles já debilitados pela doença.

Tratamentos mais eficazes, chamados de terapias triplas, apareceram em 1995 e 1996, mas os pacientes tinham de tomar de 12 a 16 comprimidos por dia, o que muitas vezes os deixava doentes.

“Ann”, uma mulher negra que foi infectada em 1997 pelo seu ex-marido, disse que os comprimidos eram difíceis de guardar.

“Alguns tinham que ser refrigerados”, segundo Ann, que se recusou a revelar seu nome verdadeiro por medo de ser rejeitada por familiares e amigos para quem adora cozinhar.

“Alguns tinham que ser refrigerados”, segundo Ann, que se recusou a revelar seu nome verdadeiro por medo de ser rejeitada por familiares e amigos para quem adora cozinhar.

“Eu não queria que ninguém os visse na minha geladeira. Então, os guardava numa gaveta.”

Leia também: ONU aponta que 800 mil crianças com HIV não receberam tratamento em 2021

Virada

Em 1996, as mortes relacionadas à aids caíram pela primeira vez nos Estados Unidos.

A aprovação pela FDA em 2012 de uma pílula chamada PrEP, ou profilaxia pré-exposição, levou a reduções ainda maiores nas mortes.

Este medicamento, tomado uma vez ao dia, reduz o risco de contrair o HIV em cerca de 99%.

No entanto, em 2019, apenas 29% das pessoas que poderiam se beneficiar o estavam usando. E 63% eram brancas, 14% hispânicas e apenas 8% negras.

Um dos grupos de maior risco são os homens negros gays, e estudos mostram que isso não é porque eles têm comportamentos mais associados ao risco do que o resto da população, mas porque o HIV já é muito mais prevalente entre eles.

“A falta de recursos e o financiamento insuficiente atingiram historicamente as comunidades gays negras”, observou um relatório de 2015 da amFAR, a Fundação para a Pesquisa da aids.

David Wilson, um homem negro gay de 33 anos que é HIV negativo, disse à AFP que decidiu iniciar a PrEP depois de descobrir que seu parceiro teve relações sexuais com outra pessoa e que se infectou.

“Sou totalmente realista sobre minhas práticas sexuais e estou ciente das coisas que gosto de fazer. É por isso que decidi fazer a PrEP”, afirmou.

“Não nos damos por vencidos”

Wilson está sendo tratado na Whitman-Walker, uma clínica de saúde sexual no centro de Washington fundada por gays na década de 1970.

A ex-membro do conselho da Whitman-Walker, SaVanna Wanzer, uma ativista transgênero negra, contraiu o vírus em 1985.

“A aids foi classificada como uma doença dos gays. Tratavam você como se fosse o menor espécime do mundo”, disse Wanzer.

Poucos sabiam como a doença era transmitida na época, e Wanzer descreveu que os pacientes eram deixados sozinhos em quartos isolados para morrer com “todas as bandejas do almoço empilhadas na frente da porta”.

Naquela época, um dos objetivos de Whitman-Walker era ajudar os pacientes a morrer com dignidade.

Hoje oferece um sistema simplificado para acesso à prevenção e tratamento do HIV.

Os pacientes não segurados são registrados em “navegadores de seguros” com o objetivo de obter uma receita no mesmo dia.

“Não vamos desistir em nenhum caso”, disse Spears Johnson à AFP.

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