Apenas 4,33% dos arquitetos e urbanistas são negros, aponta Conselho

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arquitetos e urbanistas negros são a menor parcela, aponta levantamento do Conselho

Um levantamento, realizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), no ano de 2020, mostra que apenas 4,33% dos arquitetos e urbanistas se autodeclaram negros, enquanto 78,14%, são brancos. Esses são os primeiros dados que apresentam um recorte racial junto à categoria. O levantamento do CAU/BR aponta também que 27% dos arquitetos e urbanistas desempregados são mulheres negras, assim como as arquitetas negras sofrem 16 vezes mais assédio sexual no ambiente de trabalho e seu rendimento salarial é de R$ 3436,15, quase a metade do que um homem branco ganha.

O percentual de arquitetos e arquitetas negros ainda é ínfimo se comparado aos brancos – Foto: Nappy.com

De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em quatro estados do país, o curso de Arquitetura e Urbanismo possui menor Índice de Inclusão Racial que Direito, Medicina e Psicologia. O aluno Lucas Medeiros estudante do 7º período de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Paraná (UFPR), conta que em sua universidade possui em média 25 alunos negros. “Não só somos poucos, como estamos sozinhos”, conta ele. 

“Desde que entrei na faculdade, comecei a cobrar posturas até mesmo dos docentes, questionei muito essa omissão da faculdade de arquitetura e principalmente o conhecimento quase nulo dos professores e professoras sobre arquiteturas negras, em diáspora ou não”, diz Lucas Medeiros sobre como ele vê assuntos raciais sendo tratados ao longo do curso.

Lucas Medeiros conta o fato do curso ser muito eurocêntrico, pois segundo ele no curso há apenas uma breve aparição da arquitetura do Oriente Médio e do Egito, e também de arquiteturas vernaculares no norte da África. A professora Gabriela ainda diz sobre o desafio de situar novos termos para a área e construir novas leituras sobre as práticas arquitetônicas.

Lucas Medeiros é estudante de arquitetura e pesquisador sobre arquitetura africana e afrobrasileira – foto: Divulgação

Já Gabriela Leandro Pereira é formada na graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e doutora e mestrada em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente, é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do programa de pós-graduação da UFBA. Ela explica isso como uma questão estrutural. Segundo ela, o curso de Arquitetura e Urbanismo ainda é muito elitista e branco, há poucos alunos negros e deles poucos conseguem concluir o curso ou se manter na área. “Eu acho que o processo das cotas tem promovido mudanças substanciais, mas elas ainda são poucas e ineficientes, não são compatíveis com os dados do país em termos de distribuição racial”, explica Gabriela. 

Em 2018, antes da adoção das cotas, o curso de Arquitetura e Urbanismo na Unicamp registrou a menor quantidade de alunos negros dentre todos os outros cursos, com apenas 3,3%. “Ainda é desproporcional, se pegarmos a porcentagem da população preta e parda, e a porcentagem de pessoas brancas, por exemplo, vamos ter um curso que ainda não reflete essas porcentagens, ainda não tem uma equivalência mesmo se pegarmos as diferenças regionais”, afirma Gabriela. De acordo com a arquiteta, a inserção das cotas colocaram em contexto acadêmico pessoas que não estavam inseridas naquele ambiente.

Gabriela conta ainda que é um grande desafio olhar a arquitetura e urbanismo com outros olhos, pois as disciplinas são em sua maioria formadas por uma lógica eurocêntrica e colonial. “Precisamos acionar novas lentes para construir e olhar para essa produção de arquitetura e urbanismo, nesse sentido eu acho que para além de ser uma questão temática ou de uma expansão geográfica para além da Europa ou América do Norte, sobretudo os Estados Unidos, temos um desafio de construir olhares e perspectivas para esse campo”, avalia.

Segundo Gabriela, 80% da arquitetura brasileira é feita sem a participação de arquitetos e urbanistas, ou seja, o curso é voltado para atender 20% da população. “Me parece importante pensar lógicas de articulação entre conteúdos do campo da história, da teoria crítica ou das práticas projetuais com as experiências tecnológicas, mas também entender que há essa relação desconexa entre essa cidade que se autoproduz sem arquitetos e urbanistas e a arquitetura que a gente estuda voltada aos 20%”, conclui Gabriela.

Gabriela Leandro Pereira é doutora em arquitetura e professora da UFBA – Foto: Thiago Costa

Falta de visibilidade

A arquiteta e urbanista Gabriela Leandro Pereira, retoma as dimensões estruturais, como a nossa sociedade está estruturada e suas histórias de desigualdades e violências. “Pensando estruturalmente como a nossa sociedade se forja percebe-se que são poucas as pessoas negras em condição de se estabelecer no mercado da construção civil e da arquitetura como donos ou sócios majoritários de grandes escritórios, a falta de visibilidade tem muito a ver também com que tipo de visibilidade o próprio campo constrói para si”, acrescenta ela. 

Lucas Medeiros, aluno e também pesquisador sobre arquitetura africana e afrobrasileira, explica como uma mistura entre reconhecimento e imaginário. “Como estamos distantes da arquitetura acadêmica, formal, não somos assemelhados sequer como profissionais da área, quanto mais como produtores de uma boa arquitetura. No cenário mundial, hoje, temos dois grandes arquitetos que foram tão espetaculares que não dava mais para fingir que eles não existiam, que são Francis Keré e David Adjaye”, diz ele.

A arquitetura africana, em África ou diaspórica, ainda luta por reconhecimento e o direito de existir, “e às vezes o direito de ser dono da sua própria obra, como é o caso da tentativa de deslegitimar a capacidade dos egípcios de 4 mil anos atrás em construir as pirâmides, desenvolver sistemas estruturais complexos, justificando que foram aliens. Eles preferem acreditar em seres imaginários do que nos dar créditos. Pra gente chegar onde um branco medíocre chega, é necessário ser espetacular, fantástico, genial, completa Lucas.

Lucas Medeiros conta que seu objetivo no curso é mudar a forma como arquitetos e urbanistas vão enxergar arquitetura. “Meu objetivo é produzir o máximo de pesquisas que eu puder, porque quem vier depois de mim vai ter o conhecimento sobre esses temas que não foram produzidas em mais de 60 anos de Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na UFPR, que já é umas das mais antigas do país”, diz ele.

Gráfico mostra diferença de rendimentos entre homens brancos e mulheres negras – Foto: Diagnóstico Gênero na Arquitetura e Urbanismo

“Eu acredito que para além da questão de representatividade, ainda que a sub-representação seja um dado que atravessa e impacta uma ideia em torno da disciplina e dessa prática profissional, se quisermos resolver essa questão, temos que entender onde estão os arquitetos e arquitetas negras, qual são os acessos que esses arquitetos e arquitetas tem a clientes ou ao Estado, quais são as possibilidades de trabalho”, diz Gabriela.

“Como inserir e que redes são essas que arquitetos e urbanistas negros estarão inseridos nessa sociedade extremamente racista e classista.”

Leia também: Pesquisa aponta que não há dados sobre mulheres negras na engenharia

Acesso à Arquitetura

A arquitetura é uma prática arquitetônica, que ainda envolve uma quantidade significativa de recursos, público ou privado. “Se não temos um política de acesso a essa prática que venha do poder público, seja em termos de ofertar esse tipo de serviço ou mesmo na sua execução de projetos e planos sem uma interlocução com a sociedade civil nesse processo de elaboração, é difícil que a arquitetura e urbanismo se tornem temas amplamente compreendidos e socialmente enxergados como questões relevantes ou pertinentes”, diz a arquiteta e urbanista Gabriela. 

Gabriela afirma que entender o lugar em que a Arquitetura e Urbanismo ocupa na sociedade e trazer uma análise histórica para compreender um fato contemporâneo é fundamental, segundo ela a produção da cidade desde o início marcada por extremas desigualdades estruturais e raciais no país. Desde o século 19 há uma concentração fundiária na mão de alguns grupos políticos, sociais, econômicos e culturais, que gera uma interdição ao acesso a cidade ou a um pedaço de terra, mostrando a lógica estrutural em que as cidades foram partilhadas.

Ela ainda conta sobre sua experiência enquanto mulher negra nessa área. “Eu não saberia pensar desarticulada do fato de ser uma mulher nova, negra e com uma inserção grande nas pautas sociais. O comportamento das pessoas a minha volta, não eram desinformados dessas condições todas, eu não era uma pessoa lida sem todas essas camadas, passei por comentários extremamente desagradáveis que não eram necessariamente sobre o meu trabalho mas diziam muito sobre como eu era vista, e que tinham um teor extremamente machista e racista”, conta Gabriela.

Projeto Arquitetas e Arquitetos Negros Pelo Mundo

A arquiteta e urbanista Gabriela Leandro Pereira, enquanto professora da UFBA, tem desenvolvido o projeto Arquitetas e Arquitetos Negros Pelo Mundo, que é um conjunto de mini biografias e links para seus próprios sites, conteúdos ou publicações que servissem como uma porta de entrada aos estudantes que queiram acessar referencias que não aparecem em sala de aula.

“Um grande desafio pra gente agora tem sido olhar para para essa produção e tentar entendê-la para além de elencar nomes desconexos, entendê-las contextualmente uma vez que são plurais as perspectivas dos arquitetos e arquitetas negras, já que nem todos os arquitetos negros ou negras tem uma produção de arquitetura discursivamente, esteticamente ou socialmente engajada às questões negras. E também o que seriam questões negras? Não necessariamente são arquiteturas de interesse social, às questões negras não se resumem a isso. Olhar para essa arquitetura e tentar entender esse conjunto, o que se relaciona, que tempo estão e com que que eles estão dialogando nas suas proposições, suas vinculações políticas, estéticas ou ideológicas enfim para serem mais complexamente desenroladas nessa pesquisa”, conclui ela.

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