A intencional perversidade que causa rivalidade entre mulheres pretas lightskin e mulheres retintas: a história de Annie Malone vs Madame C.J. Walker

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Por Sayuri Hope

Madame C.J Walker teve sua estréia no Netflix dia 20 de março e causou o maior barulho nas redes sociais, as criticas foram maravilhosas. Elaborada em quatro partes, a minissérie exaltou o legado de C.J. Walker, tão bem interpretada por Octávia Spencer.

Assim que assisti a série, já sai propagando, pois também fui encantada pela história; mas como boa curiosa que sou fui atrás da direção, da família que sobrou da protagonista e fui descascando as camadas da história, por pura vontade de saber mais sobre a primeira mulher preta milionária dos Estados Unidos e que inclusive está no Guinness Book of World Records. 

Imaginem a minha surpresa quando descobri que Addie Monroe, interpretada pela atriz Carmen Ejogo (uma mulher preta Lightskin), era inspirada em Annie Malone, uma empresária, inventora e filantropa afro-americana retinta… vamos conhecer agora sua história!

Por que mostrar a rivalidade e não o legado?

Fiquei perplexa tentando entender o motivo que fez a minissérie retratar Annie assim, o que fez esconderem o seu legado, que é tão potente quanto o de C.J. Walker?

Foi daí que me veio à força para escrever este artigo, fruto de uma pesquisa sobre sua vida, buscando arquivos de bibliotecas do Missouri e Chicago, com o intuito de saber a verdade, mas não existe uma briga ou uma história a ser contada aqui. 

O real motivo de retratarem Annie Malone como uma vilã, ora boazinha, ora invejosa, nos padrões Disney de entretenimento, foi criar um enredo que prendesse a sua atenção na série, usando os padrões mais baixos de rivalidade entre mulheres pretas, que é a tonalidade de suas peles. No entanto, por que usar isso como entretenimento? Addie não poderia ser retratada por uma mulher retinta? Qual o problema de termos duas mulheres incríveis em uma única série, será que só podemos ter um herói por vez, qual foi a intenção por trás dessa personagem? 

Foi mais fácil retratar uma mulher Lightskin, brigando vertiginosamente e jogando na cara de uma retinta, sua beleza e aceitação social, quando sabemos que embora sua cor de pele defina seu tratamento diante de uma sociedade racista, não te exime do racismo, já que este abrange outras coisas além da sua tonalidade, como fenótipo, cabelos e etc.

Mulheres retintas sofrem um racismo ainda mais visceral que uma Lightskin, porém, em contrapartida sabemos que uma mulher preta com a pele clara, carrega na pele a maior atrocidade que a humanidade encobre até hoje: O estupro. Em uma das cenas houve um diálogo entre Madame Walker e Addie Monroe, neste diálogo Madame Walker quer vender os produtos e Addie não acha que ela possui o “perfil” para isso e então a resposta dela vem como um murro: 

Enganar as pessoas com essas mestiças não dará certo. O cabelo delas não veio do produto, mas do estupro de suas mães.

No mesmo momento, percebe-se que Addie se incomoda, a cena é forte e ao longo da história disseca-se que foi o que aconteceu com a mãe de Addie, ela foi estuprada pelo patrão branco, quando ainda era escrava.

O que quero passar com este texto, é que não importa qual tonalidade de pele tem uma mulher PRETA, de alguma forma ela vai receber o racismo que estrutura este país. 

Nós, mulheres pretas, não temos nenhum tipo de aval, quando violentadas ou mortas por um sistema machista e racista, por este motivo devemos acabar com essa rivalidade, seja nas redes sociais, na indústria cinematográfica, fonográfica. Devemos nos ajudar como fez o legado de Madame C.J. Walker e Annie Malone com diversas mulheres pretas, em uma época que a resistência era a única maneira de se manter vivo, que lutar por uma vida melhor significava enfrentar a segregação, a violência e a morte. 

Ainda hoje, temos que viver atentos nas ruas, porque a segregação ainda existe e sabemos que o sistema continua contribuindo para que nossos corpos não sejam bonitos, mas assassinados.

Sem romantizar, somos a cura para nossa ancestralidade dilacerada pela escravização e pela história genocida que este país carrega. Essa rivalidade não é fruto nosso, é a conseqüência do mal que nos fizeram, portanto, vamos avante, mostrando para eles que não compactuamos com esse discurso de rivalidade e principalmente nos educando a não agir assim com os nossos.

Ainda sobre a série, é incrível a história de Madame C.J. Walker, e é importante reconhecer este legado e seu impacto nas nossas vidas como referência, contudo, Annie Malone foi importante na vida de Madame Walker e a forma que a retrataram na série foi ofensivo, tanto ao seu legado, quanto a sua história com Walker, pois ambas foram importantes, uma na vida da outra. Por isso vou usar um trecho da matéria da OPRAHMAG, que exemplifica isso com perfeição: “Enquanto ofuscada por sua protegida, o legado de Malone é tão importante quanto o de Walker”.

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