A cis’ colonialidade e a transfobia imaginária

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Por Thiffany Odara – Pedagoga, Especialista em Gênero, Raça/etnia e sexualidade – @thiffanyodara

O  processo de sociabilidade ocorre de forma  coletiva, levando o  singular ao universo plural, sem  perder de vista  a subjetividade, eu para com outro,  ou seja,  esse processo acontece  através de conexões que difere ou não a sua existência  diante  de outras formas de existir, sendo assim, podemos analisar  de forma ampla essas vivências, como nos comportamos e o que  muitas vezes julgamos ser ou  não  valorosa. A partir desse ponto, farei uma breve reflexão sobre as existências de travestis e pessoas trans. 

Como você se vê no mundo? O que te dá prazer e felicidade? Dentro de sua realidade quantas pessoas trans você conhece pessoalmente? Com quantas pessoas trans você já conviveu? Você sabe o que é transfobia? Estas são perguntas norteadoras para se pensar a CIS ‘COLONIALIDADE como mecanismo de dominação alimentada por uma ordem racista, capitalista e patriarcal que mata diariamente pessoas trans.   

Diante desta breve reflexão, irei te apresentar uma vasta explanação, partindo do lugar social que ocupo, afinal, quem escreve  aqui é uma travesti negra. Assim, te convido você  a refletir comigo, então vamos lá!

As pessoas trans frequentemente não são lidas como humanas, logo não são vistas como sujeitos de direitos, sem direito a vida, acesso as políticas públicas de saúde. Temos pouco, comparado ao modelo cisgênero de existência. Alguém já te parou na rua pra perguntar se você é cis mesmo ou que você nem parece ser um homem/mulher cis de verdade? Essas palavras corriqueiras insistem em nos perseguir. Agora, imagine de onde saíram essas perguntas? Então, é do modelo cisgênero de ser e estar no mundo.

Prosseguindo nas indagações – forma de interagirmos nesse texto. Você já parou para pensar que pessoa trans também são dignas de afeto e de respeito? A  maioria dessa população é expulsa de casa, pelo simples fato delas ou deles serem  quem são, um dado preocupante, inclusive, porque não há política pública efetiva para essa população que está na margem da sociedade sem nenhum tipo de garantia de direitos, pois as políticas socioassistenciais não desencadeiam um olhar interseccional para analisar como os marcadores sociais são intrinsecamente relevante para as desigualdades  sociais.

Ainda  nessa linha de afeto, trago o processo de expulsão compulsória que ocorre no ambiente escolar em razão da diferença, a negativa estendida por templos religiosos, um dispositivo real que condiciona o imaginário social a acreditar que além de não sermos dignas de afeto e reconhecimento familiar, como visto de maneira midiática com Thamy Miranda, sendo recorrente na vida de tantas outras e outros. A negativa recai muito nos relacionamentos amorosos, onde frequentemente só nos é permitido algum tipo de relação amorosa no escuro e no anonimato. Percebe-se que essa negativa de afeto permeia em âmbitos essenciais para nosso processo de sociabilidade.

Corroborando o quanto acima descrito, somos jogadas para o mercado de trabalho que ainda segue visto com o olhar cis-hetero-patriarcal como um campo do marginal. Segundo levantamento da Associação Nacional de Travestis e transexuais do Brasil -ANTRA  90% das meninas trans e travestis está na prostituição. É salutar pontuar que a grande maioria está na prostituição por imposição e outras não, mas ainda dentro desse campo, somos tratadas como bonecas de fetiche, somente para saciar o prazer sexual dos bons e velhos chefes da tão sonhada família tradicional brasileira. 

O que leva o Brasil a ser o país que mais acessa o pornô trans e ao mesmo tempo liderar o ranking de assassinato trans no mundo, segundo a pesquisa  recente da ANTRA nos oito primeiros meses de 2020  houve um  aumento de 70% em relação ao período do ano passado, outro fato relevante desse dado é que a grande maioria são do gênero feminino, sendo travestis e mulheres trans, ou seja, a abjeção ao universo feminino é gritante diante de uma sociedade covardemente machista.

Setembro amarelo para quem ?

Os dados são alarmantes, diante de um cenário que gradativamente reproduz violência gratuita a pessoas trans.  E aqui é necessário refletir, vidas trans, para você, importa mesmo? O que você tem feito de fato, para se importar de verdade, pois ainda liderarmos o Rank mundial de assassinato trans?

Pensar no processo social requer refutar nosso olhar para outros meios de sociabilidade e de entretenimento, de trocas de conhecimento que não reproduzam práticas engessadas acirradas pela cisnormatividade. É compreender que a  divergência social existe, pois somos diferentes, mas ao pensar as diferenças (sejam  ela de  gênero, raça/etnia, sexualidade entre outras), não sejam vistas como  marcas de exclusão  que  insistem em rescindir  e perseguir pessoas trans.

Diante dos aspectos aqui apresentados, podemos enxergar como a colonialidade instaurada pela cisnormatividade causa de maneira esdrúxula a rotatividade da  transfobia imaginária na vida de pessoas trans, aqui pontuarei alguns aspectos iniciais para compor este debate.

A mídia oportunista se sente confortável em publicizar narrativas  trans e criar estereótipos, onde caímos no imaginário do senso comum, aquela narrativa como única e possível vivida por pessoas trans, literalmente essa narrativa serve como  uma régua ou um compasso para medir toda existência de  uma população que por si só é diversa, somos vistas por uma única lente, o que leva mais uma vez o Cistema a nos formatar, encaixar em uma única forma de ser e estar no mundo, o que conduz as pessoas cis a nos comparar com esses personagens que na grande maioria não dialoga com a nossa realidade.   

Precisamos, constantemente nos ressignificar, todos os dias, para não sucumbir e isso demanda um esforço danado. Querer impor que, por você meramente acreditar que além de tudo temos o seu aval de existência e de ser quem vocês  acreditam ser melhor, não vai  nos fortalecer em nada, lembrem-se somos diversas/os! Nenhuma existência deve sobrepor a outra, as feridas não tem cura, são abertas diariamente  por esse cistema cisgênero de ser e estar no modelo colonial de se determinar o gênero a partir do órgão genital que nos exclui e marginaliza diariamente, não sei se você ainda lembra mas, eu te falei isso lá em cima. 

A sociedade descarta e desfavorece a nossa autoestima, nosso corpo, onde  constantemente buscamos através do processo cisgênero, e por vezes de maneira compulsória, a passabilidade como elo de proteção ou até mesmo de negação. 

Essa angústia nos faz acreditar que nada será possível e esse é apenas um dos processos vividos por algumas e alguns, a auto sabotagem que frequentemente praticamos tem relação com o lugar em que somos colocadas, pelos esforços diários que realizamos para sermos, minimamente reconhecidas como humanas, pois não queremos ser meros bichinhos de estimação para alguns amigos locais ditos ciscentrados, para que nossa imagem possa demonstrar que aquela pessoa  ou espaço seja legitimado como inclusivo. Sabemos o quanto a cisgeneridade nos causa medos, angústias, aflições, sentimentos outros, por isso não faça de seu imaginário a nossa realidade, pois a nossa realidade é marcada por essa inoperância violenta do seu cistema .

Thiffany Odara – Pedagoga, Especialista em Gênero, Raça/etnia e sexualidade, Educadora social e Redutora de Danos. Ativista do movimento Negro e LGBT

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