20 de setembro: a educação gaúcha precisa urgentemente falar dos negros e mulheres da revolução

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Por Alejandro Guerrero*

Construir uma educação antirracista não é fácil. Ainda mais quando são anos de reprodução do apagamento da história e da participação do povo negro de processos históricos importantes. Esse processo de apagamento da história – ou embranquecimento dela – faz parte de uma tática de tentativa de enfraquecimento da luta antirracista. Quando o povo se aliena ao ponto de não se enxergar enquanto parte da história do país, a revolta e a indignação se tornam utopias. E essa utopia precisa começar revendo a nossa história do ponto de vista do oprimido. 

Foto: Thiago Krenning – Para o programa Nação sobre o Massacre de Porongos

A revolução farroupilha, que tem seu marco no 20 de setembro de cada ano, é um dos processos históricos onde a população negra é esquecida na hora de contar, do ponto de vista do símbolo e da memória. A participação dos Lanceiros Negros, grupo de civis que se organizaram no processo de revolta enquanto soldados, sendo linha de frente da revolução, é hoje um fato que nem todo o Rio Grande do Sul conhece. O Massacre de Porongos levou à morte mais de 100 negros escravizados, na então região do Cerro de Porongos, que hoje é o município de Pinheiro Machado, no dia 14 de novembro de 1844. E o império brasileiro carrega essa conta em suas costas. Esse processo de traição, negociação de vidas negras, foi parte de um sonho de liberdade do povo preto. 

O processo de identidade do povo gaúcho enquanto povo gaúcho passa a crescer somente ao longo do século XX. Inclusive, o termo “farroupilha” foi revisado pelos republicanos, que se apoderaram dele e deram continuidade ao processo da construção da identidade da figura do gaúcho: a hombridade, a tradição, a música, a culinária, enfim, as características socioculturais de quem nascia nessa região ao sul do país. Entretanto, ao criar essa imagem do gaúcho, muitos grupos foram deixados de lado ou marginalizados. Como as mulheres, que também tiveram papel fundamental na revolução farroupilha, sendo Anita Garibaldi, que nesse ano marca seu bicentenário, um dos símbolos da revolta. E também os indígenas, que desde as Missões Jesuítas são vítimas do genocídio colonizador e que são parte central na criação da nossa identidade – inclusive o próprio chimarrão que é tradicional do nosso estado.

Érico Veríssimo enriqueceu a memória do estado gaúcho ao escrever “O Tempo e o Vento”, e nessa obra ele destaca, através do romance, a formação social do Rio Grande do Sul do tempo das missões até o Estado Novo. E o que é interessante da obra é a participação que as mulheres tiveram – com destaque especial a Ana Terra e Bibiana Terra Cambará. E é nesse processo que entra a importância da arte e da cultura, aliadas ao ensino, na construção de uma educação antirracista e antimachista. 

O debate em torno da revolução farroupilha não pode se dar somente a partir da ideia de que gaúchos comemoram uma guerra perdida. Os ideais revolucionários, avançados na época como contraponto à monarquia, que tinha poder centralizador e era escravista, são parte da disputa que o Rio Grande do Sul teve pela sua soberania. E essa soberania precisa ser defendida enquanto nação que o Brasil é hoje, sem se vender aos interesses dos grandes blocos econômicos, ou como diria Brizola, sem “entreguismo” que hoje os “vendilhões da Pátria”, como Bolsonaro e seu grupo econômico o fazem. 

A educação gaúcha precisa urgentemente contar “a história que a história não conta”, como diz o samba enredo da Mangueira de 2019 (História pra ninar gente grande). Essa história é repleta de massacre do povo preto, de exploração sexual das mulheres e de tentativas de avanço na construção de um estado independente. Não basta pontuar a participação de negros e negras nesse processo, é preciso abordar o racismo estrutural e como isso impactou na vida do povo negro gaúcho. É essa educação antirracista que precisa permear as salas de aulas gaúchas – o racismo não deve ser uma tradição e o processo histórico nos aponta: enquanto o povo não conhecer o seu passado estará fadado a aceitar o futuro que vier. As nossas façanhas tem sangue e suor negro, rezam para Ogum e comem churrasco. Essas façanhas que precisam servir de modelo para toda terra. 

Alejandro Guerrero – Vice-presidente regional da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) no Rio Grande do Sul e militante da União de Negras e Negros pela Igualdade (UNEGRO) e da União da Juventude Socialista (UJS)

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